quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Quanto a pensar e emitir opinião

    Se as escolas antigamente valorizavam o aluno comportado e “quieto”, que meramente ouvia, hoje parece haver, não só na escola como popularmente, um incentivo a que todos falem e expressem sua opinião: a que todos tenham uma opinião sobre todo e qualquer assunto. Talvez visando o incentivo ao uso crítico e autônomo do pensamento
    Ora, mas ter uma opinião é muito diferente de fazer uso crítico do pensamento, isto é, de pensar realmente.
    Os blogs e redes sociais da web são lugar privilegiado para que se possa notar isso. Enquanto estes dotam os indivíduos do poder de dizer ao mundo aquilo que pensam, por outro lado, pouco se vê alguém que de fato faça uso de um pensamento crítico: é sempre mais do mesmo, grosserias, arrogâncias, opiniões heterogêneas “compradas” para combinar com idiossincrasias... como se aquilo que se diz fosse obvio – “como ninguém pensou nisso ainda?!” – e o restante não passasse de idiotices.
    Trazendo para o exemplo pessoal – meu estudo da filosofia de Theodor Adorno –, vejo atitudes semelhantes em relação ao incomodo da teoria crítica e seu diagnóstico, especialmente, da indústria cultural, amplamente divulgado no contexto brasileiro: acusações ressentidas de que Adorno errou ao criticar o Jazz, de que é culturalmente conservador, etc. Não farei aqui uma defesa de Adorno – há elementos suficientes em sua teoria para isto –, tampouco tais acusações me incomodam. Gostaria somente de chamar atenção para a atitude arrogante presente nisso: do “como ninguém pensou nisso antes?!”, na falta de uma mera dúvida a respeito do porque, se tal filósofo é tal facilmente “derrotado”, pessoas dedicam vidas inteiras a estudá-lo, etc. O fato de que pelo menos semanalmente alguém me dizer algo do tipo, com a mesma expressão “intelectual” no rosto, deve mostrar algo sobre isso... Em suma, o problema está na atitude pouco crítica e extremamente arrogante de se pensar o único ser dotado de razão e emitir juízos sobre os quais não parece pairar o mínimo de um pensar arrazoado: uma estupidez que se pensa inteligência.
    Se a web possibilita o uso público da razão, falta para que isso ocorra, portanto, dificultá-lo. Pois do contrário, na banalidade de sua facilidade, se mostra impedido pela arrogância, pela preguiça e pelo imediatismo de se acreditar "o sujeito inteligente".  
    Dotar formalmente o indivíduo de um aparato crítico, como o que a lógica filosófica traz, se tornaria, pois, importante. Porém, não bastaria: a mera detenção de instrumentos para o “pensar correcto” não torna ninguém crítico e produtor de pensamentos realmente autônomos. Isto é, um expert em lógica não necessariamente pensa: raciocinar, utilizar formas ou formulas e aplicá-las por sobre o objeto a ser pensado é muito diferente de pensar.
    É preciso que o indivíduo (agora “sujeito”) passeie pela complexidade do pensamento, por suas mais diversas perspectivas e nuanças, para perceber que nada é tão simples quanto alguém pretende que seja; que se dedique a entender argumentos complexos, para que perceba a densidade mesma dos objetos e dos diversos assuntos; e assim, que possa construir reflexões realmente inteligentes, capazes de ir além do “sempre o mesmo”, do raciocínio simplista e dualista, do “não gosto, portanto não é bom e por isso compro tal argumento”. E assim estará pensando verdadeiramente - a partir talvez do pensamento dos outros - mas de forma realmente crítica e autônoma. Isto, se pode aprender tanto conversando com os mais velhos, com pessoas “simples” porém sábias, quanto estudando filósofos como Adorno, Horkheimer, Marcuse, Hegel, Platão, Deleuze, Hume, Kant... Isto é, estudando a história do pensamento filosófico ocidental, no embate de opiniões realmente complexas.
    Para evitar dúvida: trata-se, pois, de dificultar a expressão de idéias, não pela censura, mas buscando dar a todo indivíduo a possibilidade de pensar por si mesmo e não somente reproduzir o que outrem pensa: que pode ser, inclusive, contrário àquilo que o indivíduo realmente pensaria.        

(Ouro Preto, 13 de dezembro de 2011)
       

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Dialética da imparcialidade

Sem certa objetividade, certa assimetria a favor do objeto (primazia do objeto), todo conhecimento seria mera tautologia, mera repetição (parafraseando Adorno). Se tudo é transferência do sujeito por sobre o objeto, é difícil até imaginar como seria possível qualquer formação de uma frase... Isto sem contar, que defender uma total parcialidade significa defender ou a possibilidade de um sujeito transcendental, algum tipo de essência humana, ou, pelo menos, um sujeito se dê de forma não cultural, fechado em si mesmo, talvez já predefinido pela genética (o que também não é algo que transcenda menos a experiência)... Uma vez que, se não fosse assim, uma coisa anularia a outra: se há um tipo de objetividade que influencia na formação do individuo, pra onde iria essa objetividade na hora em que o conhecimento está sendo construído? Porém, supor que o ambiente (o objeto, portanto) não influencia na formação do indivíduo é excluir a realidade, uma vez que há muitos exemplos de que subjetividade e sociedade se interpenetram: meninos-lobos, Kasper Hauser, gêmeos, etc.
Há sim, portanto, certo tipo de objetividade, o que torna possível um tipo restrito de imparcialidade: notadamente, aquela em que a pessoa aceita ou até mesmo pensa por contra própria, algo que vá além de seu ponto de vista, visões contrárias, por vezes melhores, e que sirvam para ela própria mudar de opinião. Há de existir certa objetividade/imparcialidade ou não seria possível o pensamento dialético. O que, perceptivelmente, existe.
Que isso não signifique que a imparcialidade como um todo, utópica, jornalística, exista; especialmente sem boa vontade e sem uma grande dose de vaidade – o que, em última instância, nem nos santos... Claro que há algo de subjetivo (e, portanto, de constructo socio-biológico), da constituição física e mental, do “estomago” como diria Nietzsche, na formação dos juízos de gosto, na eticidade inerente à pessoa, nas escolhas, nos pontos em que não se arreda o pé, “no quanto de verdade a pessoa agüenta”, na tendência política, etc. Mas isso não deve significar a impossibilidade da dialética, ou seja, do pensamento, da educação e da transformação social.
A questão é que, numa sociedade verdadeiramente democrática e racional, essas irracionalidades (o subjetivo, corpóreo, o “pessoal”) deveriam vir à tona antes de qualquer exposição ou defesa pública de opiniões, e não, ao invés disso, ser mascarada sob a aparência de objetiva e imparcial. Mas, quem é que nota que não está sendo imparcial quando se é parcial? 
 “Conhece-te a ti mesmo”, diria Sócrates. Isto deveria significar (para educadores – construtores da mudança): “conheça seu próprio corpo, suas próprias paixões, sua subjetividade” e, somente depois, “tente pensar de forma não egoísta e preconceituosa... objetiva, enfim”.   


(Ouro Preto, 29 de setembro de 2011)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

La vie en Rose

 
        O quanto o mundo dominado pela razão que se acredita eficiente somente a partir de uma frieza e imparcialidade (falsas), constituído e construído a partir das proposições meramente masculinas em detrimento do feminino (e nesse caso nem precisamos fazer diferença de sexo biológico, embora essa também fosse verdadeira, não obstante a falsidade dessa divisão), exclui a sensibilidade e o não idêntico (em termos principalmente do diferente da maioria estatística), poderia ser atestado, especialmente pelos indivíduos do sexo masculino, quando estes passam algumas horas somente rodeamos por homens. A conversa nos meios masculinos (barbeiros, botecos, repúblicas masculinas, etc.) é a mais banal possível, a mais comum; inclui desde futebol, até piadinhas homofóbicas – o que de fato não nos dá uma grande amplitude de assuntos, talvez dois ou três a mais. Se a conversa é em frente à TV, não raro será interrompida por uma exclamação grosseira de um estranho desejo sexual pelas “gostosas peitudas” ou “bundudas gostosas”, seguido por adjetivos como “vagabunda”, “vadia” entre tantos outros; programas que fazem chorar serão sempre “chatice”, seguidos de olhares pra ver quem se emocionou; o que não é diferente em relação aos programas educativos e politicamente corretos: “chatice”.
O assunto, quando em bando (não é demais lembrar que “bando” e “bandido” têm a mesma etimologia), nunca será sobre “fraquezas”: não há espaço para desabafos, amores, tristeza... Enfim, nunca se podem demonstrar sinais de “bixice”. De tanto conviverem entre si, acrescente-se, reprimidos, acreditando que um pouco de elegância na fala, na postura corporal, um pouco de individualidade que se permita “fraquezas”, depõe contra sua masculinidade (o que também é estranho que alguém deseje ter), deixam mesmo de conseguir se expressar, de entender a si mesmos, até não sentir mais, e então, não entenderão mais nada: para que são importante políticas públicas de inclusão, leis contra preconceitos, etc. Em detrimento disso tudo, serão favoráveis às políticas que propõem solucionar tudo a partir da violência, como a partir do BOPE, do controle de natalidade para famílias de baixa renda, da diminuição da menoridade penal, etc. – medidas tipicamente masculinas, idênticas ao longo da história. Por isso uma saída péssima seria que o feminismo (felizmente cada vez mais refinado) se assemelhasse ao machismo, que a imagem da mulher “moderna” reproduza a do homem prático, do empresário de sucesso, do individuo bem resolvido, do homem rígido, isto é, da insensibilidade, da dominação de si em detrimento da vida pessoal.
A boa noticia é que o “macho dominante” tende, por enquanto, a desaparecer. Sinais disto dão a chamada “geração Y”, com seus (nossos) blogs, e seu “egoísmo” e a crescente onda do politicamente correto, que ao menos publicamente envergonha (pela primeira vez na história) o reacionarismo típico dessas figuras.                      
O título dessa nota cantava Edith Piaf. E assim dava dicas para o vindouro desenvolvimento dessa questão...

(São João del Rei, 5 de setembro de 2011)

domingo, 14 de agosto de 2011

Um parágrafo para um estudo sobre valor cognitivo da arte


Ao observar, por exemplo, a fotografia de Chaplin e a multidão (acima), me vêm várias coisas na cabeça. Coisas que remetem a indústria cultural, as guerras mundiais, o americanismo, o american way of life, a alegria e liberdade artística, a submissão das pessoas, o sistema de estrelato, a idolatria... e talvez várias outras coisas que eu não consiga nem encontrar uma palavra chave. Eu não sei exatamente o porquê a fotografia me remete a tais coisas (talvez não saber, nesse caso, seja a alma do negócio). Mas com certeza, ela agrega algum tipo de conhecimento ao que eu sei sobre aquelas coisas; não um conhecimento em sentido da epistemologia, discursivo, mas algo sensível. É provável que se eu não tivesse um conhecimento prévio acerca de tais assuntos que a fotografia me remete, ela não passaria de percepção; então esse tipo de conhecimento o deixaria de ser – no caso da indústria cultural isto fica bem óbvio, e também, saber que é Chaplin, pois me faz adivinhar a época.


(Ouro Preto, 11 de julho de 2011)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

uma crítica à Lady Gaga

            (Lady Gaga no clip de Telephone)


Lady Gaga é uma pessoa bem interessante, uma vez que encontra adeptos (fãs) que vêm de todos os segmentos (leia-se, os cults e os “comuns”); por isso não é difícil ver alguma pessoa do meio artístico, filosófico e coisas que tais (cults) louvando-a como algo que escapa ao esquema da música de massas (da chamada indústria cultural – termo que facilita muito o entendimento); agindo em relação a ela como algo a que podem se dar ao luxo de se igualarem às massas, de perder a postura blasé e se “divertir” sem compromisso (algo que a música cult não o permite com tanta desenvoltura).
Sem dúvida alguma há algo diferente na cantora (ou estrela; não sei bem se ela canta ou se é tudo eletrônico, já que em cada música a voz dela é diferente); o fato de parecer realizar uma crítica em suas letras e clips, algo que as suas semelhantes não o fazem, é notório. É por isso que uma vez um crítico de arte de um jornal mineiro disse que Lady Gaga realizava uma “resistência dentro do sistema”, termo que vêm do francês Deleuze.
Eu tendo a discordar e gostaria de ter a oportunidade de desenvolver mais o assunto, tendo em vista o termo de indústria cultural e o de apropriação que Adorno diz que ela realiza, que é o que parece ocorrer aí – mercadoria disfarçada de arte.
O que me dá indicativos de que algo do tipo ocorre aí é uma questão da recepção de suas obras. Quando o público cult recebe suas músicas/clips ele, obviamente, nota a crítica, a ironia que existe ali – até porque estão acostumados/treinados a encontrar esse tipo de coisa (são formados, estudados); mas me parece (com base em percepção empírica) que os fãs de música eletrônica pop (aqueles que ouvem tanto Gaga – uma feminista – quanto aquelas pessoas que ela parece criticar – mulherzinhas como a Britney) não parecem ser modificados por isso; não parecem absorver aquela crítica; se mudam é algo puramente formal: ou seja, copiam as roupas, cabelos, gestos, tornam-se uma Lady (com o perdão do trocadilho que possa haver aí). Se absorvem a crítica, entenderão talvez que a “raça homem” deve ser pisada.   
Adorno fala sobre a importância da forma estética, que é o mecanismo através do qual a obra pode realizar uma crítica sensível da sociedade... É o que parece faltar no caso da Gaga: quem ouve sua música na radio e não sabe que é ela que está cantando ou não entenda inglês, não notará diferença alguma entre ela e a Britney ou a Madonna. Isto porque falta à obra uma crítica objetiva, substancial, da qual seja impossível escapar, que incomode até mesmo aquele espectador mais cético e frio – que é o que parece haver com as obras de arte.  
Uma pesquisa sobre a recepção de sua obra, sobre o que faz com seus ouvintes era algo necessário para provar que ela realiza uma resistência dentro do sistema ou que não seja mais uma mercadoria muito mais bem feita que as outras, uma vez que “agrada a gregos e troianos”.


(Pouso Alegre, 03 de agosto)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Energia, vibe, tipo assim...

A filosofia deve dar conta de dialogar com modismos da linguagem, ruídos e gírias, sob o risco de não mais realizar o princípio de isonomia sobre o qual foi construída, sob o risco de recair num tecnicismo autoritário típico das seitas secretas e da religião. O filósofo profissional ou estudante de filosofia deve estar atento ao fato de que nem todo mundo domina os conceitos filosóficos; deve saber que mesmo dentro da filosofia há discordância de significados e usos diversificados dos conceitos; e que, principalmente, isso não impede ninguém de fazer filosofia. Pelo contrário, aquela pessoa que não consegue entender algo que fuja do significado dicionaresco – ou seja, aquele que é dominado pelos conceitos – que não pode fazer filosofia, uma vez que esta própria é contrária às coisas estabelecidas, exatas... Não há nada que seja imune à razão filosófica, é isto que estão esquecendo. E se eu quiser dizer com, por exemplo, “energia”, “vibe”, “isto é do caralho!”, etc. coisas interessantes? Devo ser desconsiderado? Se sim, isto tem um nome: falácia ad hominen!    

(Ouro Preto, 11 de julho de 2011)

            O mesmo vale para toda pessoa “politizada” (ativistas sociais, ecologistas, feministas, educadores) que do alto de uma arrogância, disfarçada de simplicidade que aceita tudo o que vem das classes baixas, quase que vai a loucura quando alguém usa uma palavra “proibida”, considerada por eles como politicamente incorreta, carregada de um sentido negativo... Como se todas as pessoas fossem culpadas de não saber que, nos últimos, 15 minutos, no último congresso de educação, proibiu-se aquele uso... Como se fossem culpadas da história (a maioria não teve nem chance de ser culpada ou não).

(Pouso Alegre, 01 de agosto)


            Sobre o tema, encontrei algo ótimo de Simon Blackburn, no prefácio do dicionário Oxford de Filosofia (aparentemente, algo que as pessoas com quem discuto acima consultam):

            “A filosofia, por sua natureza, habita em áreas de ambiguidade e perplexidade, lugares onde, na expressão de Russell, só encontramos fragmentos incertos de sentido. Os filósofos constroem sua reputação contestando sentidos: o sucesso consiste muitas vezes em mostrar que seus predecessores compreenderam mal as categorias de experiência, razão, demonstração, percepção, consciência, virtude ou lei. Tais discussões são intrinsecas e extensas. As filosofias, como os movimentos do pensamento em geral, exigem longas formulações e resistem a definições ligeiras.”




Descrição original do blog (+ de 500 caracteres)

Já perdi muitas anotações em gavetas de escrivaninhas e guarda roupas - este blog deve ser mais seguro!

Embora um diálogo possa ser feito em um papel ou mentalmente com interlocutores diversos, eles tendem a se enriquecer se estão sempre à vista ou com a adição de mais perspectivas.
Além disso, filosofia é, sim, argumentação, discussão, mas é também questionamento. E quando estamos desenvolvendo um tema, argumentando, pesquisando, somos obrigados a deixar questões de lado, sob o risco de não mais fazer filosofia, isto é, de não pensarmos em questões filosóficas, cumprindo apenas uma parte do que nos pede a filosofia, de nos tornarmos especialistas, pela obrigação de não pensar em nada que não estejamos completamente embasados – perdendo o pensamento fresco, livre.
Esses escritos são aquilo que não quis deixar perder, mesmo sob o risco de ser bobo.
Este blog também pode ser bom pra isso!