quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Dialética da imparcialidade

Sem certa objetividade, certa assimetria a favor do objeto (primazia do objeto), todo conhecimento seria mera tautologia, mera repetição (parafraseando Adorno). Se tudo é transferência do sujeito por sobre o objeto, é difícil até imaginar como seria possível qualquer formação de uma frase... Isto sem contar, que defender uma total parcialidade significa defender ou a possibilidade de um sujeito transcendental, algum tipo de essência humana, ou, pelo menos, um sujeito se dê de forma não cultural, fechado em si mesmo, talvez já predefinido pela genética (o que também não é algo que transcenda menos a experiência)... Uma vez que, se não fosse assim, uma coisa anularia a outra: se há um tipo de objetividade que influencia na formação do individuo, pra onde iria essa objetividade na hora em que o conhecimento está sendo construído? Porém, supor que o ambiente (o objeto, portanto) não influencia na formação do indivíduo é excluir a realidade, uma vez que há muitos exemplos de que subjetividade e sociedade se interpenetram: meninos-lobos, Kasper Hauser, gêmeos, etc.
Há sim, portanto, certo tipo de objetividade, o que torna possível um tipo restrito de imparcialidade: notadamente, aquela em que a pessoa aceita ou até mesmo pensa por contra própria, algo que vá além de seu ponto de vista, visões contrárias, por vezes melhores, e que sirvam para ela própria mudar de opinião. Há de existir certa objetividade/imparcialidade ou não seria possível o pensamento dialético. O que, perceptivelmente, existe.
Que isso não signifique que a imparcialidade como um todo, utópica, jornalística, exista; especialmente sem boa vontade e sem uma grande dose de vaidade – o que, em última instância, nem nos santos... Claro que há algo de subjetivo (e, portanto, de constructo socio-biológico), da constituição física e mental, do “estomago” como diria Nietzsche, na formação dos juízos de gosto, na eticidade inerente à pessoa, nas escolhas, nos pontos em que não se arreda o pé, “no quanto de verdade a pessoa agüenta”, na tendência política, etc. Mas isso não deve significar a impossibilidade da dialética, ou seja, do pensamento, da educação e da transformação social.
A questão é que, numa sociedade verdadeiramente democrática e racional, essas irracionalidades (o subjetivo, corpóreo, o “pessoal”) deveriam vir à tona antes de qualquer exposição ou defesa pública de opiniões, e não, ao invés disso, ser mascarada sob a aparência de objetiva e imparcial. Mas, quem é que nota que não está sendo imparcial quando se é parcial? 
 “Conhece-te a ti mesmo”, diria Sócrates. Isto deveria significar (para educadores – construtores da mudança): “conheça seu próprio corpo, suas próprias paixões, sua subjetividade” e, somente depois, “tente pensar de forma não egoísta e preconceituosa... objetiva, enfim”.   


(Ouro Preto, 29 de setembro de 2011)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

La vie en Rose

 
        O quanto o mundo dominado pela razão que se acredita eficiente somente a partir de uma frieza e imparcialidade (falsas), constituído e construído a partir das proposições meramente masculinas em detrimento do feminino (e nesse caso nem precisamos fazer diferença de sexo biológico, embora essa também fosse verdadeira, não obstante a falsidade dessa divisão), exclui a sensibilidade e o não idêntico (em termos principalmente do diferente da maioria estatística), poderia ser atestado, especialmente pelos indivíduos do sexo masculino, quando estes passam algumas horas somente rodeamos por homens. A conversa nos meios masculinos (barbeiros, botecos, repúblicas masculinas, etc.) é a mais banal possível, a mais comum; inclui desde futebol, até piadinhas homofóbicas – o que de fato não nos dá uma grande amplitude de assuntos, talvez dois ou três a mais. Se a conversa é em frente à TV, não raro será interrompida por uma exclamação grosseira de um estranho desejo sexual pelas “gostosas peitudas” ou “bundudas gostosas”, seguido por adjetivos como “vagabunda”, “vadia” entre tantos outros; programas que fazem chorar serão sempre “chatice”, seguidos de olhares pra ver quem se emocionou; o que não é diferente em relação aos programas educativos e politicamente corretos: “chatice”.
O assunto, quando em bando (não é demais lembrar que “bando” e “bandido” têm a mesma etimologia), nunca será sobre “fraquezas”: não há espaço para desabafos, amores, tristeza... Enfim, nunca se podem demonstrar sinais de “bixice”. De tanto conviverem entre si, acrescente-se, reprimidos, acreditando que um pouco de elegância na fala, na postura corporal, um pouco de individualidade que se permita “fraquezas”, depõe contra sua masculinidade (o que também é estranho que alguém deseje ter), deixam mesmo de conseguir se expressar, de entender a si mesmos, até não sentir mais, e então, não entenderão mais nada: para que são importante políticas públicas de inclusão, leis contra preconceitos, etc. Em detrimento disso tudo, serão favoráveis às políticas que propõem solucionar tudo a partir da violência, como a partir do BOPE, do controle de natalidade para famílias de baixa renda, da diminuição da menoridade penal, etc. – medidas tipicamente masculinas, idênticas ao longo da história. Por isso uma saída péssima seria que o feminismo (felizmente cada vez mais refinado) se assemelhasse ao machismo, que a imagem da mulher “moderna” reproduza a do homem prático, do empresário de sucesso, do individuo bem resolvido, do homem rígido, isto é, da insensibilidade, da dominação de si em detrimento da vida pessoal.
A boa noticia é que o “macho dominante” tende, por enquanto, a desaparecer. Sinais disto dão a chamada “geração Y”, com seus (nossos) blogs, e seu “egoísmo” e a crescente onda do politicamente correto, que ao menos publicamente envergonha (pela primeira vez na história) o reacionarismo típico dessas figuras.                      
O título dessa nota cantava Edith Piaf. E assim dava dicas para o vindouro desenvolvimento dessa questão...

(São João del Rei, 5 de setembro de 2011)