quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Republicanos x não-republicanos: profissão repórter, hipocrisias e mentiras

Será que ninguém reparou na ironia de que, no “Profissão Repórter que ia falar mal das repúblicas de Ouro Preto”, durante todos os intervalos comerciais, passaram as propagandas da vodka Absoluty e de uma cerveja (que não prestei atenção), na qual dois indivíduos imaginam um novo mundo, no qual essa mesma cerveja seria imprescindível? Esses comerciais passam na globo todas as noites e, possivelmente, se destinam somente às repúblicas de Ouro Preto.
Será que ninguém percebeu que a maior parte do programa, quando esse trata de Ouro Preto, se passa na Rua Direita e que esta estava lotada? Provavelmente são republicanos que ali estavam... Estes mesmos republicanos aprenderam a beber em Ouro Preto, pois aqui são obrigados a isso. E aqui se tornaram alcoólatras.
Esta prática foi inventada nas repúblicas, logo, tais comerciais só podem se destinar às repúblicas.
Essa é a visão, ou pelo menos o que estão dizendo os que atacam as repúblicas. O que é um absurdo óbvio.

Do outro lado, estão os que dizem #calabocapotira. Essa Potira é a menina que aparece dizendo que quando morou em república foi obrigada a beber – ela diz que a fala dela foi cortada e que o sentido foi fabricado, o que é provavelmente verdade, afinal todos sabem que repórteres fazem isso mesmo. Quem a critica deve ser bixo... Só pode ser isso! Afinal todos sabem que, mesmo depois da proibição deste tipo de prática, muita gente ainda é obrigada a beber em alguns cantos de Ouro Preto (quando digo “obrigada a beber”, leia-se que ou a pessoa é obrigada de fato ou ela é incentivada por seus companheiros de república por diversos motivos). Eu já vi, muita gente já viu, então quem nega deve ser bixo ou tem algum rabo preso. Semana passada mesmo eu escutei um calouro no ônibus dizendo que “porque um de seus irmãos de batalha não bebe e porque o outro bebe muito” ele é obrigado a beber muito também – ele estava feliz com a situação e não sou psicólogo pra saber até que ponto foram introjetados “valores” republicanos em sua mente, se é que foram. Independente disto, alguém dá cachaça pra ele, porque é cultura de algumas repúblicas ainda ofertar cachaça para bixos; e por este mesmo motivo (por ser uma cultura) a grande maioria acaba cedendo à pressão – daí se deriva a crença de que o fazem porque querem, que é um tanto quanto controversa, mas cada caso é um caso e ninguém tem acesso à mente da outra pessoa pra saber o que os leva a escolher uma ou outra coisa.

As duas mortes ocorridas em tão pouco tempo em escolhas (em uma república particular e em uma federal) dão um veredicto categórico: a cultura republicana que aí está precisa ser modificada! Que a primeira morte tenha ocorrido justamente em uma república sem tradição de trotes demonstra isto da forma mais clara possível. (Somente não falo da segunda, pois desconheço as práticas e não conheço ninguém de lá). E com certeza, obrigar alguém a beber só pode ser a pior coisa neste sentido – ao contrário do que pensam pequenos nazistinhas enrustidos, beber não prova masculinidade, não faz ninguém virar mais companheiro e nem faz do bixo um futuro bom morador.
Mais que isso não diz nada, diferentemente do que pensam os que estão alegremente a atacar as repúblicas. Alias, diz sim: que o mundo inteiro está errado e que pegaram as repúblicas pra cristo!

Há uma grande dose de hipocrisia, ressentimento, oportunismo e covardia nestes que agora chamam de assassinos os republicanos... Como se em suas festas e comemorações não pudesse ocorrer nada semelhante; como se a mistura de bebidas, maconha, cocaína, êxtase e ácido em suas comemorações por estréia de peça não pudesse matar alguém.  Como se pessoas que agora estão atacando as repúblicas pelo facebook na página da UFOP não postassem orgulhosos que ficaram doentes após 15 dias bebendo sem parar; como se eu já não tivesse encontrado nobres amigos (não republicanos), que aqui condenam as bebedeiras, dormindo bêbados na calçada em pleno inverno de Ouro Preto, prontos a terem uma hipotermia; como se não fosse uma cultura mundial encher a cara para comemorar qualquer fato; como se quase todas as músicas de sucesso atuais não tivessem como principal assunto bebedeira e festa (alias, desde pelo menos Jack Kerouac, é muito comum que a cultura louve a bebedeira); como se ninguém tivesse passado por uma situação em que um amigo, depois de beber muito, dormisse como uma pedra, tornando o sistema nervoso incapaz de reagir; como se em uma simples busca no google pela sentença “morto sufocado no próprio vomito” não aparecessem dezenas de famosos que após uma bebedeira morreram desta forma – eu não sabia que Amy Winehouse morou em república em Ouro Preto, por exemplo! Jimmi Hendrix, idem.

Porém, isto não demonstra que as repúblicas não estejam erradas: as repúblicas precisam aprender a aceitar criticas sem temer que isso coloque em xeque todo o modo de “vida republicana”. Há muito que mudar e há muito o que não mudar – não se deve mudar, por exemplo, o fato de que há muito mais um tipo de rara amizade e companheirismo dentro do sistema republicano do que no mundo externo, que os estudantes da UFOP e ex-moradores de república continuam a serem respeitados em empresas do país todo por terem adquirido competências extremamente necessárias (e também raras) nos mais diversos trabalhos, que muitos estudantes de república que levam uma vida dupla entre estudos e rocks muitas vezes têm coeficientes mais altos que muitos dos que criticam repúblicas, talvez porque não se aprenda somente passando horas na frente de livros... Coisas que os que atacam as repúblicas se negam a aceitar, sabe-se lá por quê. E as tais práticas ridículas de submissão do calouro que ainda algumas repúblicas insistem em manter não têm nada a ver com isso; representam somente um retrocesso e minam todos aqueles ganhos anteriores.. A cada vez maior dificuldade de tais repúblicas preencherem todas as vagas é uma prova disso, bem como o fato de que muitas empresas, e cursos de pós-graduação já evitam ex-alunos da UFOP por causa da má fama. Da mesma forma que o “louvor” à cachaça, que, embora na maioria dos casos não leve a problemas, quando leva – ao alcoolismo e às mortes – é grave o suficiente para não valer a pena.    

Enfim, só há mentira e hipocrisia de ambos os lados que participam dessa discussão: de um lado os que odeiam e sempre odiaram repúblicas (desde o simples e inocente fato de haver uma placa ou uma bandeira com o nome da república, até o ódio justificado pelo fato de que diversas têm trotes), a atacar costumes que eles (e seus pais, tias e tios) partilham. De outro, gente querendo tapar o sol com a peneira e calar qualquer assunto desagradável, pensando que é ainda possível negar que muito precisa ser mudado e acreditando que uma clausura pétrea da cultura ouro-pretana é não modificar nada nas repúblicas. Pra ambos eu indico a assistência psicológica da PRACE, sair do facebook e viver um pouco de realidade.

(Ouro Preto, 5 de dezembro de 2012)

terça-feira, 17 de julho de 2012

Como as pessas leem os textos do meu blog

Como as pessoas leem os textos do meu blog:
- Se a conclusão corrobora com algo que já acreditavam antes, concordam com o texto.
- Se a conclusão não corrobora com algo que já acreditavam antes, não concordam com o texto.
- No primeiro caso, a pessoa me encontra na rua e diz que gostou muito e começa a relatar o que ela pensa sobre o assunto: o que muitas vezes não entendo.
- No segundo caso, ela diz que gostou do texto, porém não concorda inteiramente com algumas coisas.

Como as pessoas deveriam se comportar com quaisquer textos que se deparam:
ler e descobrir se concordam ou não, tendo por base o que está escrito no texto; se aquilo não é algo que ela acredita, deveria tentar "rebater" ou então aceitar.
- A primeira postura (a de quem concorda) é totalmente aceitável, porque quando estamos pensando sobre um assunto, temos uma tendência a ver aquele assunto por todos os lados.
- Já a segunda é arrogante e covarde. A pessoa diz que gosta ou porque tem medo de me chatear, ou porque não consegue pensar contra-argumentos e não é humilde o suficiente para se deixar abater por algo que seja diferente do que ela mesma pensa.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Filosofia em directo*


            Quando se pergunta a um pesquisador de filosofia (ou filósofo) qual é o tema que ele estuda, normalmente se tem em mente uma pesquisa acadêmica, com orientador, projeto de pesquisa, órgão financiador (de preferência) e tantas outras exigências burocráticas.
            É fato que o ato de se dedicar a escrever um projeto sobre um tema que se tem interesse em pesquisar, fazer um levantamento bibliográfico, ter um financiamento, justificativa e discussões com um orientador são relevantes para uma boa pesquisa. Porém, tais coisas não são condições necessárias para se fazer filosofia. Esquece-se que de uma coisa importante do filosofar autêntico; uma coisa próxima daquilo que os antigos chamavam “admiração”. Esquece-se que muitas vezes a “admiração” não pode esperar que se termine uma pesquisa para se iniciar outra e que, se tudo aquilo que interessa a um filósofo pesquisar tivesse que receber um tratamento de fundo acadêmico, este pouco poderia pesquisar; e o pior: pouca coisa o admiraria.
            Estranhamente, as pessoas que exigem pesquisas acadêmicas por parte dos filósofos são as mesmas que negam o denominador “filósofo” a “meros” acadêmicos de filosofia.
            Enquanto que a academia tem o poder de proporcionar boas pesquisas, uma vez que embasadas, aprofundadas e bastante refletidas, por outro lado pouca ou nenhuma filosofia autêntica tem produzido. Há alguma coisa séria aí.          
           
“Só quem não se acomoda ao princípio da troca pode apresentar-se como garante da ausência da dominação; só o inútil garante o enfraquecimento do valor unitário” (Theodor Adorno, Teoria Estética, p. 342)

*O título é em referência ao livro homônimo do professor e filósofo Desidério Murcho

(Ouro Preto, 2 de julho de 2012)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Adolescências politicamente corretas: nossa massa de manobra!


Sou de esquerda. Grande parte dos meus amigos e conhecidos atualmente o são. Não tive, no início de minha formação, grande incentivo a isso. Não que meus familiares não fossem de esquerda, porém não havia abertamente uma formação de minha consciência esquerdista. Na verdade, havia em minha “sociedade” infanto-juvenil uma apoliticidade generalizada – e qualquer desinteresse político está mais relacionado ao direitismo que ao esquerdismo por seu caráter mantenedor da vida tal como ela está e de uma aceitação a-crítica do mundo tal como ele se apresenta. Acredito que isso era algo geral da sociedade brasileira há mais ou menos uma década atrás: algo que se chama “alienação”.
É fato que isso é algo diferente do que vemos hoje, pelo menos no que nos transparece na web, em seus blogs e em suas redes sociais – o chamado politicamente correto, em suas diversas vertentes: a “onda verde”, a sustentabilidade (palavra não prevista no dicionário de meu word 2003), as várias marchas pelas minorias iniciadas pelas redes, o grande compartilhamento de informações deste teor, a reprovação massiva das grandes corporações midiáticas, etc.
Diferentemente do que ocorria há uma década atrás, há hoje uma grande demanda por novas estéticas (enquanto era a rede Globo que as ditava), há uma maior aceitação da sensibilidade, há um maior incentivo para que as pessoas expressem e tenham uma opinião a respeito de assuntos que há 10 anos eram tidos como desinteressantes. E nisso, as ferramentas da web e as novas tecnologias tem um papel fundamental, por propiciar lugar para quem queira se expressar e um espaço de réplica da sociedade ao que é dito (e ao que não é dito) pelos médias “oficiais”.
Me parece apressado demais associar esse fenômeno de adesão ao ideário de esquerda à chegada de um partido de esquerda ao poder, uma vez que para isso seria necessária toda uma transformação da grade curricular das escolas brasileiras e uma substituição gradual dos professores atuais por aqueles que passariam à “pregar” idéias da esquerda. Não me parece o caso. Além do que, seria necessário que coincidissem o número de eleitores que votam nos partidos da esquerda com aqueles que compartilham informações ditas “de esquerda”.
Pelo contrário (e essa é uma mera opinião, talvez arraigada com um alarmismo e um conseqüente exagero de minha parte), me parece haver uma adesão a priori da juventude (a chamada “Geração Y”) ao ideário de esquerda. Me parece que há um tipo de irracionalismo na base da adesão a essa vertente ideológica específica, uma espécie de desejo de fazer parte de algo emocionalmente atrativo; algo que se relaciona com o que a psicóloga norte-americana Turkle define como um “sentimento de querer ter um sentimento para partilhar”. Vê-se isso na aceitação a-crítica de tudo que se coloca aparentemente a favor do que é de esquerda e a rejeição apressada do que se parece de direita – mesmo que não o seja. É isso que está na base da “ditadura do politicamente correto”, da qual tanto se fala hoje em dia.
Ora, poderíamos dizer que isso é algo bom que ocorre em nossa sociedade, uma vez que pela primeira vez na história o ideário de esquerda é “situação”, enquanto que há poucas décadas quem era de esquerda era considerado um mau cidadão – que é, notadamente, o que se pensa de quem se diz “de direita”. De fato, pessoalmente, preferiria uma ditadura de esquerda a uma ditadura de direita – se “esquerda” e “ditadura” não fossem, a meu ver, coisas que não se coadunam. 
Stuart Mill – filósofo utilitarista britânico, de esquerda (o primeiro filósofo a defender, por exemplo, o direito das mulheres) e radical defensor da liberdade – apresenta dois argumentos na defesa da liberdade de opinião (liberdade esta que significa a não existência de pressão social por sobre a formação de individualidades), que são resumidamente os seguintes: a sociedade só tem a ganhar com o conflito aberto de idéias e que, porque os seres humanos erram diversas vezes, a ditadura da maioria corre sérios riscos de incorrer em um erro generalizado – pelo contrário, no debate aberto de opiniões é preciso pensar criticamente para defender o que se acredita e isso diminui as chances de erro.
Afora a possibilidade de nós de esquerda estarmos enganados sobre nossas crenças, a adesão a-crítica das massas ao ideário esquerdista pode ser nociva de outra forma: se pessoas aderem à esquerda com base em algum tipo de reflexão, eles são capazes de defender seus ideais racionalmente. Saberão distinguir o que é algo que realmente importante, daquilo que é irrelevante. Não haveria uma aceitação ou compartilhamento de crenças (e links da web não deixam de serem crenças massivamente difundidas) na base do “todo mundo está partilhando”. Vê-se que hoje grande parte das pessoas que partilham links, caso surja uma discussão, é incapaz de dizer algo importante na defesa daquilo. Isto é, o que é que impede que daqui a uns anos partilhem material oposto pensando ser “de esquerda”? Penso que a própria ditadura do politicamente correto já tem o efeito oposto ao que uma pessoa verdadeiramente de esquerda deseja, se pense no forte apelo publicitário que atingem as propagandas que são proibidas por serem “politicamente incorretas” – fato já utilizado maliciosamente pelos publicitários. E se daqui a alguns anos uma ditadura de esquerda de fato for possível, tais pessoas não serão as primeiras a aplaudir de pé? Se agora nos parece bom que centenas de pessoas compartilhem um vídeo ou o link de um blog, no qual se divulga coisas que acredito serem importantes, mesmo que o façam a-criticamente, não poderão ser estas mesmas pessoas que irão nos excomungar socialmente caso daqui uns anos nós não coadunemos com a “vida tal como ela está” e com “o mundo tal como ele se apresenta”? Não fariam conosco como faz a rede Globo quando cria seus astros e depois os derruba hipocritamente?
O compartilhamento em massa de informações pela web não pode se dar sem a formação crítica dos indivíduos que participam disso, caso contrário eles serão mera massa de manobra – o que não é, em nenhum caso, um ganho para a sociedade se pensarmos como Mill. E isso não pode ser diferente do caso de intervenções urbanas, performances e obras de arte engajadas, bem como das diversas formas de manifestação política: não podemos nos dar ao luxo de vaidosamente ambicionarmos aplausos e adesão à nossa causa em troca da manipulação dos indivíduos por meio meramente das emoções.

(Ouro Preto, 11 de junho de 2012)    

terça-feira, 5 de junho de 2012

Homossexualismo e natureza humana


Há quem queira defender que o homossexualismo está errado porque é antinatural, mesmo que quem pense isso não seja totalmente contra as pessoas que gostam de indivíduos do mesmo sexo e que ajam de forma “tolerante”.
Em primeiro lugar, qualquer afirmação a respeito da natureza humana só pode se tratar de uma conjectura, pois os humanos são animais sociais, em cuja formação influi toda uma série de elementos externos, de forma que não podemos com segurança separar aquilo que seria naturalmente parte da “essência” humana e aquilo que é um construto sócio-ambiental. Além do que, a razão constitui uma possibilidade para que os seres humanos possam agir contrariamente aos ditames impulsivos de sua natureza, e talvez isso sirva para a crença de que por isso há homossexualidade entre os humanos, mas é algo que nos impede ainda mais de ter certeza a respeito disso.
      Não obstante, há inúmeros exemplos de homossexualismo entre os animais considerados irracionais (e por isso, animais que não podem agir diferentemente daquilo que lhes dita sua natureza), e por isso eu diria que podemos pelo menos considerar que temos indícios de que o homossexualismo é algo natural – uma vez que a análise desses fatos precisaria ser entrelaçada com a análise de inúmeros fatores, como por exemplo, a quantidade de animais do mesmo sexo, se os animais de determinada área estão se reproduzindo ou não, etc.
            De qualquer forma, penso que o recurso a uma suposta natureza humana para tratar de qualquer caso social está fadado ao erro: se formos fundamentar qualquer crença com base em conjecturas, poderíamos, por exemplo, defender que o sexo sem fins de reprodução da espécie é antinatural; que uma sociedade pacífica é antinatural, pois os seres humanos seriam naturalmente violentos; que o roubo e o assassinato não deveriam ser proibidos, uma vez que a lei da sobrevivência é uma constante entre todos os indivíduos; e por fim, os velhos deveriam ser assassinados, pois não têm o que contribuir com a sociedade (e a sobrevivência desta é o que há de mais natural) e o amor por eles é antinatural, portanto.  

(Ouro Preto, 28 de maio de 2012)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Conservadorismo e elitismo em relação à performance


         Ridicularizar a dúvida de quem pergunta é, em qualquer área, não só uma arrogância, como algo que pode descambar para um elitismo, quando isso se torna barreira para o acesso ao conhecimento sobre o que se dúvida – o objeto da pergunta. É também uma atitude de conservadorismo, comparável àqueles românticos que, contra o racionalismo revolucionário francês, queriam manter o irracionalismo da tradição místico-religiosa. É uma atitude comparável às antigas seitas e ao que faziam os “sábios” videntes da Grécia antiga: nada mais, nada menos do que impedir o acesso ao que se quer saber aos não-iniciados – atitude contra a qual se voltaram primeiramente os guerreiros gregos e em seguida os filósofos, e que é contrária ao principio de isonomia que está na base da democracia e da racionalidade. Querer restringir o uso da razão em relação a qualquer coisa terá sempre como conseqüência uma má herança destas atitudes elitistas e conservadoras.
            Quando alguém não entende, não conhece, o mais comum é ou perguntar; quando a pessoa se cala, isto pode ser sintoma de uma timidez ou medo de parecer menos inteligente que os demais “sabidos”. Pelo menos “perguntar” foi o que todas as professoras nos ensinaram.
            Mais recentemente há uma crescente onda de desprezo pelo ato de perguntar: duvidar é “querer saber” (o que não vejo problemas), ou melhor, “querer dominar” (e aqui entendo a crítica). Obter uma resposta, pensam, significa se satisfazer, sentir um gozo por dominar o objeto de conhecimento e poder utilizá-lo, obter uma definição que “fecha” a possibilidade de novas definições e percepções por sobre o objeto, etc.
            Ora, se isso tudo é verdade, eu não veria problemas em sentir um prazer por conhecer um objeto (dominar); acho até mesmo natural ao ser humano, uma vez que esse conhecimento foi possibilidade de sobrevivência da humanidade por sobre a Terra – como pensam os sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer. E acredito que todo animal (classe da qual os humanos fazem parte) gostam naturalmente de sobreviver...
            Agora, se querer saber significa “querer dominar”, no sentido de obter uma definição imutável e que leva a pessoa a acreditar que sabe tudo sobre o objeto, então há um problema, já que quase sempre (ou sempre) as definições dos seres humanos sobre as coisas estão equivocadas e precisam ser revistas e porque nunca a fruição de um objeto pode se esgotar tão facilmente.
Mas não parece que seja verdade que seja assim. Uma pessoa que tem uma definição como resposta a uma questão do tipo “o que é...?” não fica satisfeita e pensa saber tudo sobre aquilo. Há, por outro lado, uma caricatura de que as coisas ocorram assim, inspirada talvez por uma visão de que em uma sociedade como a atual, na qual “a ciência ocupou o lugar que outrora foi da religião”, as pessoas se satisfaçam com definições objetivas e “reducionistas” sobre as coisas. Bem, é preciso demonstrar que as pessoas realmente ajam assim de forma tão estúpida (algumas dezenas de exemplos me convenceriam); sabemos que, pelo menos os cientistas não o fazem: se tomarmos o exemplo mais costumeiro, a “água”, vemos que os cientistas não pararam suas pesquisas quando descobriram que a água é H2O, pelo contrário, prosseguem buscando mais informações, com vistas até mesmo de solucionar questões como reproduzir a água.
Na verdade não acredito que haja definições suficientes para os objetos, ou seja, que um objeto possa ser definido em todo o seu grau de potência. E isso não é nenhum problema para o conhecimento ou para a possibilidade de nos comunicarmos. Wittgenstein em suas Investigações Filosóficas diz algo que deveria parecer óbvio que é o fato de que não precisamos de definições para saber o que significa uma palavra. As pessoas geralmente não têm definições claras das palavras que utilizam e isso não impede seu uso e a comunicação: para o filósofo, o significado de uma palavra se dá no uso. Eu por exemplo não sei definir “amor”, mas sei o que a palavra significa. E melhor ainda, sei utilizá-la de forma eficaz! Sei distinguir “amor” de ciúme, de carinho, raiva, etc. E isso não me leva a pensar que sei tudo sobre o amor. É possível até que se um dia eu chegasse a pensar que sei tudo sobre o amor, eu estivesse enganado; é possível que o amor se modifique ao longo do tempo e ao longo dos séculos, que seja, pois, um conceito “aberto”, não passível de ser definido.  
Assim, se alguém me perguntasse o que é o “amor”, eu não saberia dar uma definição, mas poderia tentar esboçar uma possibilidade de acesso para essa pessoa a partir de características vagas. Como é possível que essa pessoa me entenda eu não sei, e isso é motivo para muita controvérsia entre filósofos da linguagem. Mas o que quero chamar atenção aqui é a possibilidade de darmos explicações sem esgotar o objeto em uma definição “fechada”.  
Da mesma forma que não haja problemas para o conhecimento aqui, também não deveria haver o temor de que a dúvida, o desejo de explicações, descambe para um reducionismo. Porém, é o que ocorre muitas vezes, nas mais diversas áreas, mas muito comumente nas artes, especialmente em relação às chamadas artes contemporâneas, como por exemplo, a performance.
Talvez mesmo porque haja um afastamento da arte contemporânea da sociedade (seja ele justificado ou não – não cabe discutir aqui), há uma grande demanda de explicações a seu respeito, inversamente proporcional à falta delas. Pelo que dizem normalmente aqueles que são interrogados parece mesmo haver o temor acima citado, que leva muitas vezes ao desprezo pela pergunta, figurado em uma tergiversação em relação ao problema da suposta necessidade das definições demandada pela sociedade cientificista. 
Que esse temor possa ser justificado por uma idéia distorcida de que a sociedade foi realmente tão infantilizada pelo cientificismo (exceto, claro, tais pessoas), é amplamente compreensível, porém, tal atitude apenas ratifica a situação atual de afastamento das artes em relação às grandes massas, culminando não só na repulsa pelo que há de mais avançado na arte contemporânea, mas no que é pior, na sua esterilidade: naquela costumeira frase “ah, isso deve ser arte”, que no fundo significa “isso não é pra mim”. E assim, coisas como a perfomance se tornam algo para os “eleitos”, que co-participam em seu desconhecimento de uma definição rígida, mas aos quais foi dada alguma porta de entrada, talvez porque, como “eleitos”, não se temia que esperassem por uma definição “científica” de performance e lhes foram descritos traços fundamentais a seu respeito, como por exemplo, o de que não pode ser definida em um conceito fechado – o que não deixa de ser uma explicação racional, mesmo que porventura mal feita.
            E assim, podemos perguntar, por que é que algumas pessoas podem receber alguma explicação enquanto outras não? Não querendo cair em um erro comum às pessoas que realizam críticas, que é atacar supostas más intenções subjetivas, em primeiro lugar, pois, não tenho acesso a elas e em segundo porque não acredito que sejam ruins neste caso, suponho ser plausível apontar que, de qualquer forma, fatos assim servem com sucesso ao conservadorismo da sociedade dividida tradicionalmente entre as elites culturais e as massas, embora a própria performance art, como muito do que se faz hoje em arte contemporânea tenha surgido na contramão disso tudo: mas é muito mais comum do que se imagina que o conservadorismo e atitudes elitistas estejam amplamente intrincadas nas que se pretendem revolucionárias.

(Ouro Preto, 24 de maio de 2012)

domingo, 20 de maio de 2012

Crimes de greve?

Terá alguém o direito de obrigar outra pessoa a fazer algo que acredita ser justo?
       Se respondermos “não”, estaremos dizendo que nem Hitler, a Santa Inquisição, os colonizadores espanhóis e portugueses, nem Che Guevara, Antônio Conselheiro e a Revolução Francesa estavam justificados. Se, por outro lado, dissermos que “sim”, estamos aceitando que qualquer pessoa tem o direito de fazer o que quiser, desde que acredite que aquilo é justo – e isso não significa que a coisa seja de fato “justa”. Em comum entre todas essas pessoas e movimentos, é o fato de haverem um conjunto de crenças que acreditavam serem justas e que os impulsionava a fazer algo para torná-las realidade. Tanto Hitler quanto os românticos franceses acreditavam que seus ideais eram importantes e justos o suficiente para, por meio de armas, serem colocados na sociedade, mesmo que para isso precisassem massacrar quem fosse contrário.
        Se algumas pessoas têm forte tendência a aceitar que os revolucionários cubanos tinham o direito de fazerem o que fizeram, é porque pensam que esses lutavam por coisas justas, pois esses estavam se insurgindo contra um regime autoritário e injusto, enquanto que terão tendência a pensar, por exemplo, que os colonizadores da América não tinham o direito de impor aos índios seu modo de vida, por isso se tratar de uma injustiça. Mas, e se retrocedêssemos no tempo e começássemos a pensar como pensavam as pessoas daquela época, acreditando ser justo a “humanização” dos índios, por diversos e loucos motivos? E se fossemos alemães na época do surgimento do nazismo, não pensaríamos ser justo o que fazia Hitler e sua corja de assassinos? Estaríamos, pois, justificados a assassinar judeus e índios, coisas que hoje a maioria das pessoas pensa ser errado? É claro que não e é por isso que ninguém está justificado a fazer qualquer coisa somente porque pensa que essa coisa é justa. Há limites para a liberdade.
            Hoje, é muito comum pensarmos que estamos justificados a nos levantar contra quem é avesso ao ideário de esquerda. Trazendo para os acontecimentos desta semana – a greve dos professores da Universidade Federal de Ouro Preto –, pensamos estar justificados a interromper a aula de qualquer professor que esteja “furando” a greve, pois esta é justa, mesmo que assim firamos sua autonomia e sua crença de que o “justo” é que ele continue com suas aulas.
Ora, de fato, um “fura-greve” parece causar alguns danos ao movimento que acreditamos ser justo.
Em primeiro lugar, nos parece justo lutar contra o afastamento da academia da “tarefa da reflexão e da produção de conhecimento que beneficiem a sociedade como um todo. Temos uma universidade debilitada, avaliada não mais em razão de sua função social e cultural de caráter universal, mas centrada na particularidade das demandas do mercado, na pedagogia dos resultados e produtivismo” (retirado do Boletim do Comando Local de Greve, de 16 de maio de 2012). Há uma série de pesquisas que se dedicam a demonstrar que o Ensino, reduzido ao seu valor instrumental, acaba por formar pessimamente seus alunos, entre os quais indico o texto do professor do departamento de filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto, Desidério Murcho, “Pra que serve o ensino?” (disponível em: http://criticanarede.com/ens_valor.html).
Um dos objetivos principais da greve é forçar uma discussão com o governo a respeito da má qualidade de ensino e produção de pesquisa e conhecimento praticada hoje nas universidades públicas brasileiras, uma vez que não há no nosso país o debate público de idéias, sobre bases racionais, senão quando há uma pressão da opinião pública ou alguma interrupção de serviços.
            Nesse sentido, a proibição de qualquer atividade de ensino durante a greve – decidida sob deliberação democrática dentro da Associação dos Docentes (ADUFOP), isto é, mediante uma votação em que a maioria ganha –, atende ao seguinte pensamento: a ininterrupção das atividades de ensino por parte de algum professor ou de um grupo de professores pode enfraquecer o movimento, tanto perante a opinião pública e a imprensa, como causar insegurança. De fato, o movimento grevista tem mais força de negociação e discussão com o governo caso seja coeso.
Talvez possamos questionar se a decisão de um ou outro professor de não aderir à greve, pode realmente causar dano tão grande ao movimento: aparentemente não, desde que não se torne uma prática largamente realizada. E assim, analisando o peso dos danos individuais, parece que o dano à liberdade do professor é maior do que o infligido ao movimento de greve. Podemos sim, acreditar que tal professor age erroneamente, pois não aceita a autoridade do que foi decidido democraticamente, e assim, transgride a “lei”. É assim que as coisas funcionam em uma democracia e tal professor deve respeito ao que foi decidido em assembléia, tenha ele participado dela ou não. Mas por outro lado, ao longo da história, consideramos como “heróis” indivíduos que se levantaram contra decisões da maioria, por considerá-las injustas – não me parece o caso, mas a humanidade sempre se enganou a respeito de coisas parecidas.  
            Porém, um professor que decide dar aulas durante o período acadêmico, à revelia da suspensão do calendário acadêmico, acaba por prejudicar aos alunos, uma vez que este terá ainda outras disciplinas para terminar quando do fim da greve. Sem contar que o aluno deverá aceitar essa decisão do professor por sua figura de autoridade e por temor de ser “marcado”. E aqui há um dano sério à liberdade do aluno.
      Assim, nos parece totalmente justo e justificado proibir o “fura-greve” de exercer atividades de ensino (lembrando que atividades de pesquisa, orientações e algumas aulas são permitidas, mediante informa à ADUFOP) – e isso eu digo àqueles que como eu apóiam a greve e se sentem ofendidos com os “fura-greve”.
     Ora, mas se estamos justificados a fazer isso, estariam outros grupos que se organizassem democraticamente também justificados a, por exemplo, obrigar os professores a retornarem às aulas, pois isto lhes parece justo? Se os discentes houvessem, ao invés de apoiado a greve, ido contra ela por pensar que ela fere seus direitos, poderíamos retirar os professores de seus lares e sob gritos levá-los até dentro da sala de aula? 
        É obvio que não pela lei, já que há o direito à greve por parte dos professores, enquanto não se pode forçar seu fim senão por alguma decisão judicial. Mas enquanto falamos de liberdade e justiça em um sentido mais profundo que nem sempre coaduna com o que está expresso na constituição – várias vezes considerada injusta e por isso mutável –, podemos perguntar por um direito mais amplo de qualquer pessoa fazer aquilo que bem entenda, desde que isso não cause danos a outrem, o que parece totalmente defensável.
         E aqui há uma grande dificuldade de avaliarmos quem tem mais direito, uma vez que a prática generalizada de “furar” a greve pode causar grandes danos ao movimento e aos alunos, como também a imposição da greve por sobre os “fura-greve” causa também um dano à sua liberdade pessoal.       
          A única saída que consigo pensar para isso é o diálogo com os fura-greve, de forma a tentar convencê-los – que na realidade é a diretriz que o Comitê de Greve se propôs a seguir. Porém, caso contrário, precisaríamos esquecer os problemas filosóficos, aceitar que podemos errar, e aceitar a injustiça que é imanente à democracia majoritária: talvez nunca ao longo de sua história tenha havido consenso a respeito de nenhuma de suas decisões e isto significa, em ultima instância, que sempre houve quem tivesse sua liberdade diminuída em relação a algum assunto. Porém, não conheço outra forma de se modificar as coisas.
Neste caso, que vença a democracia... E neste momento, ser democrático é respeitar o que foi e for decidido nas Assembléias de Greve.        

(Agradeço aos grandes amigos Aluízio Couto e Sagid Salles pelos questionamentos – na verdade grande parte dos que estão acima – que deram fruto a esse texto, com o qual eles provavelmente não concordarão. E assim discordaremos mais uma vez, e mais uma vez discutiremos. Mas é assim mesmo que se faz filosofia seriamente: talvez a maior demonstração de respeito à Liberdade e à Tolerância que já tenha existido!)

(Ouro Preto, 20 de maio de 2012)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O "Transfira UFOP" e a (des)mobilização dos estudantes

Em uma época de forte adesão popular aos discursos sobre ser politicamente correto, na qual toda e qualquer coisa deve provar sua utilidade por meio da associação com o que é socialmente bom e bonito, uma época em que toda pessoa pode participar de tudo o que é “revolucionário” desde que ligada às redes sociais, mediante um clique com o mouse, mudar o mundo parece fácil demais. Um elemento importante para isso estaria dado: o interesse popular pela justiça social.
            Se as revoluções de nossa história mais recente mostram que a participação popular determina ou não seu sucesso – a russa fracassou por ter sido imposta pela “elite das massas”, sem o apoio popular para se manter; as primaveras árabes e as ocuppy têm tido sucesso justamente por surgir do povo –, a adesão de grande número de pessoas a qualquer movimento que pareça justo, pode ser enganosa.
              As já rotineiras marchas iniciadas por meio das redes como o facebook – pelo menos as brasileiras – demonstram que a mobilização popular no mundo real é muito menor que o número de participantes do evento criado na web. O seu poder é grande, mas muito menor do que poderia ser caso houvesse de fato a participação de todos os que diziam participar.
            Aparentemente, tem ocorrido algo semelhante com o Movimento Transfira UFOP.  Esse movimento, iniciado por conta de alguns alunos da Universidade Federal de Ouro Preto, tem como premissas que a transferência dos títulos de eleitor por parte dos alunos da UFOP para a cidade de Ouro Preto, não só dará mais poder de reivindicação ao poder publico por parte dos alunos, como conscientiza os estudantes “sobre a importância da participação política na comunidade onde ele vive” (retirado da carta-proposta do movimento).
            É obvio e qualquer pessoa (notadamente estudantes) concorda que é importante ter voz ativa com o poder público e que seria muito bom que todos fossem “cidadãos conscientes” e participativos na vida política de suas comunidades, ainda mais em uma Universidade na qual a alienação da vida pública parece atingir níveis mais altos que em outros meios universitários. Desta forma, poderíamos concordar com o movimento sem maiores problemas. Tampouco aqui, não é sua legitimidade ou importância que queremos colocar em causa. 
Quanto a primeira premissa, não há muito o que se dizer; talvez somente questionar se de fato os estudantes irão utilizar esse “poder” conquistado ou se acreditarão que, elegendo alguém para os representar, já terão cumprido seu papel de “cidadão”. Não pretendemos ser alarmistas quanto a isso e nem prever o futuro, mas a experiência do que comumente ocorre é o suficiente para nos deixar “duvidosos”.
            Da mesma forma, a segunda não levanta menos dúvidas que só poderão ser respondidas no futuro. Porém, neste caso, já há indicativos maiores de que os estudantes não irão participar da política da comunidade ouropretana. Dizemos isso com base na (des)mobilização intensa em torno de uma possível greve por parte de professores e servidores técnico-administrativos da Universidade, associada a um movimento, por parte dos estudantes, de volta para casa durante a greve.
            Já que os estudantes depois de transferirem seus títulos de eleitos passam a participar da vida política, não seria o caso dos universitários se mobilizarem, a favor ou contra, em torno da causa da greve? Mas pelo contrário, já transparece nos diálogos pelos corredores da UFOP e nas repúblicas que os estudantes precisarão voltar para suas cidades. Ora, mas a idéia não é a de que agora são cidadãos ouropretanos? Quando, senão em uma greve, é o momento para os estudantes iniciarem sua participação política? O único momento “político” da vida universitária são as eleições municipais?
            Como dissemos, não se pretende aqui vaticinar o insucesso do Transfira UFOP, mas uma coisa é óbvia: se, de fato, as coisas ocorrerem como se preparam para ocorrer em torno da greve prevista para o dia 17 de maio, o movimento de transferência do título de eleitor parece tender à semelhança com o mero clicar em “curtir”, “compartilhar” e principalmente com o “participar”, embora um pouco mais trabalhoso.        

(Ouro Preto, 7 de maio de 2012)     

quinta-feira, 12 de abril de 2012

autobiografia


Folheando um caderno em busca de um fichamento encontrei um texto autobiográfico que escrevi há alguns anos atrás. Não se trata de um debate no formato do blog, mas mesmo assim o reproduzo abaixo: 

Costumava se definir como curva. Uma curva tão curvilínea que no seu meio havia retas! Possivelmente dizia isto para impressioná-los. Talvez esperasse por aplausos. A verdade mesma é que nunca havia dito isto. Somente uma vez, na tentativa de fazer um poema com jogos de palavras. Era bem afeito aos jogos de palavras e só começava um texto quando pensava algo que achava poético. “Como nos inícios de textos famosos”. Por isso não iniciava muitos textos... Gostava de impressionar. Ou talvez nem gostasse, mas se sentia obrigado a ser algo. Novinho, diziam dele “– É bonzinho, educado e inteligente!” Se sentia não merecedor daquilo. Sabia-se a si mesmo. Era tímido, bobo e fracote. Mas esperavam dele. Gostavam dele mesmo que não abrisse a boca. Tinha mesmo é nascido pra ser grande; pra ser “star”, como lhe disseram certa vez. Então ele era: um dia foi príncipe, outro dia cantor... ele mesmo era quase nunca. E até quando o era, vivia de fora; tinha uma “meta-vida”, como gostou de definir uma vez para impressionar-se. Talvez por isso fosse tímido: antes de viver tinha imaginado e reimaginado a situação 10 vezes. Ou então era tímido mesmo pelo medo de que o descobrissem. “Era grande coisa nenhuma!” Por isto, exceto perto dos amigos mais próximos (não tinha muitos amigos), era quase mudo; perto dos pais era quieto, deixava que seus amigos fossem mais deles do que de si próprio. Realmente sabia, pouco merecia o que tinha. Haviam se enganado! Mas não ia ser ele que ia mostrar a verdade. Tinha medo de ser normal. Durante um tempo até pensou que era mesmo aquilo que lhe falavam. Tinha projetos! Quer dizer, meios-projetos que chegou a levar a frente. Meios-projetos grandes: o reconheciam.

quinta-feira, 8 de março de 2012

para o dia internacional das mulheres

Nesse dia internacional das mulheres, desejo que a tão sonhada igualdade continue sendo cada vez mais consquistada, não só no ambito formal, mas de fato... Uma igualdade que signifique que as mulheres e homens não se pensem como algo que tende a alguma coisa, simplesmente pelo fato de serem de sexos diferentes.
Mas, mais do que isso, desejo mesmo que as mulheres não se tornem homens. Não que elas não tenham direito a isso; pelo contrário, que elas estejam cada vez mais se aproximando da figura do homem machista, babaca, insensível, é representativo de que cada vez mais as mulheres estão conquistando direitos e perdendo outros: o direito de serem mulheres femininas. Direito este também perdido pelos homens.
Se históricamente a sensibilidade, a doçura, o cuidado, foram relegados ao "feminino", e isto constituiu em grande parte a "prisão de gênero", do qual as mulheres eram impedidas de escapar; por outro lado, a saída menos desejável pra isso é que as mulheres se tornem homens - e assim teriamos um retorno ao mundo masculino.
O ideal seria que a igualdade fosse consquistada também numa mudança dos homens e por uma dissolução das barreiras de gênero, sem que isto implique em perda do que há de melhor nas mulheres e nos homens - isto é, que os homens se tornassem mais parecidos com as mulheres e vice e versa.
 (Ouro Preto, 08 de março de 2012)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

sem título

Em quando eu era pequeno, a fessora sempre dizia pra perguntar quando não a tivesse compreendido.
Agora de grande, não pode. É pecado.
não obstante, sempre tem um mais espertalhão que entende e que completa o entendido com algo que se faz ainda menos entender. Ou igual. O resto, ou se faz de entendido ou se resigna, incólume.

Os artistas vieram prontos pro mundo, tem que deixá-los ali; entender, resignar, aguardar. Não perguntar. São seres alados. O resto não. O resto é bosta. Burro, quer entender.
Queria ser artista.
Não pela arte. a arte eu bebo eu como eu cheiro.
mas por isso ae
(Pouso Alegre, 13 de janeiro de 2012)