Sou de esquerda. Grande parte dos meus
amigos e conhecidos atualmente o são. Não tive, no início de minha formação,
grande incentivo a isso. Não que meus familiares não fossem de esquerda, porém
não havia abertamente uma formação de minha consciência esquerdista. Na verdade,
havia em minha “sociedade” infanto-juvenil uma apoliticidade generalizada – e
qualquer desinteresse político está mais relacionado ao direitismo que ao
esquerdismo por seu caráter mantenedor da vida tal como ela está e de uma
aceitação a-crítica do mundo tal como ele se apresenta. Acredito que isso era
algo geral da sociedade brasileira há mais ou menos uma década atrás: algo que
se chama “alienação”.
É fato que isso é algo diferente do que
vemos hoje, pelo menos no que nos transparece na web, em seus blogs e em
suas redes sociais – o chamado politicamente correto, em suas diversas
vertentes: a “onda verde”, a sustentabilidade (palavra não prevista no
dicionário de meu word 2003), as
várias marchas pelas minorias iniciadas pelas redes, o grande compartilhamento
de informações deste teor, a reprovação massiva das grandes corporações
midiáticas, etc.
Diferentemente do que ocorria há uma
década atrás, há hoje uma grande demanda por novas estéticas (enquanto era a
rede Globo que as ditava), há uma maior aceitação da sensibilidade, há um maior
incentivo para que as pessoas expressem e tenham uma opinião a respeito de
assuntos que há 10 anos eram tidos como desinteressantes. E nisso, as
ferramentas da web e as novas
tecnologias tem um papel fundamental, por propiciar lugar para quem queira se
expressar e um espaço de réplica da sociedade ao que é dito (e ao que não é
dito) pelos médias “oficiais”.
Me parece apressado demais associar esse
fenômeno de adesão ao ideário de esquerda à chegada de um partido de esquerda
ao poder, uma vez que para isso seria necessária toda uma transformação da
grade curricular das escolas brasileiras e uma substituição gradual dos
professores atuais por aqueles que passariam à “pregar” idéias da esquerda. Não
me parece o caso. Além do que, seria necessário que coincidissem o número de
eleitores que votam nos partidos da esquerda com aqueles que compartilham
informações ditas “de esquerda”.
Pelo contrário (e essa é uma mera
opinião, talvez arraigada com um alarmismo e um conseqüente exagero de minha
parte), me parece haver uma adesão a
priori da juventude (a chamada “Geração Y”) ao ideário de esquerda. Me
parece que há um tipo de irracionalismo na base da adesão a essa vertente
ideológica específica, uma espécie de desejo de fazer parte de algo
emocionalmente atrativo; algo que se relaciona com o que a psicóloga
norte-americana Turkle define como um “sentimento de querer ter um sentimento
para partilhar”. Vê-se isso na aceitação a-crítica de tudo que se coloca
aparentemente a favor do que é de esquerda e a rejeição apressada do que se
parece de direita – mesmo que não o seja. É isso que está na base da “ditadura
do politicamente correto”, da qual tanto se fala hoje em dia.
Ora, poderíamos dizer que isso é algo bom
que ocorre em nossa sociedade, uma vez que pela primeira vez na história o
ideário de esquerda é “situação”, enquanto que há poucas décadas quem era de
esquerda era considerado um mau cidadão – que é, notadamente, o que se pensa de
quem se diz “de direita”. De fato, pessoalmente, preferiria uma ditadura de
esquerda a uma ditadura de direita – se “esquerda” e “ditadura” não fossem, a
meu ver, coisas que não se coadunam.
Stuart Mill – filósofo utilitarista
britânico, de esquerda (o primeiro filósofo a defender, por exemplo, o direito
das mulheres) e radical defensor da liberdade – apresenta dois argumentos na
defesa da liberdade de opinião (liberdade esta que significa a não existência
de pressão social por sobre a formação de individualidades), que são
resumidamente os seguintes: a sociedade só tem a ganhar com o conflito aberto
de idéias e que, porque os seres humanos erram diversas vezes, a ditadura da
maioria corre sérios riscos de incorrer em um erro generalizado – pelo
contrário, no debate aberto de opiniões é preciso pensar criticamente para
defender o que se acredita e isso diminui as chances de erro.
Afora a possibilidade de nós de esquerda
estarmos enganados sobre nossas crenças, a adesão a-crítica das massas ao
ideário esquerdista pode ser nociva de outra forma: se pessoas aderem à
esquerda com base em algum tipo de reflexão, eles são capazes de defender seus
ideais racionalmente. Saberão distinguir o que é algo que realmente importante,
daquilo que é irrelevante. Não haveria uma aceitação ou compartilhamento de
crenças (e links da web não deixam de serem crenças
massivamente difundidas) na base do “todo mundo está partilhando”. Vê-se que
hoje grande parte das pessoas que partilham links,
caso surja uma discussão, é incapaz de dizer algo importante na defesa daquilo.
Isto é, o que é que impede que daqui a uns anos partilhem material oposto
pensando ser “de esquerda”? Penso que a própria ditadura do politicamente
correto já tem o efeito oposto ao que uma pessoa verdadeiramente de esquerda
deseja, se pense no forte apelo publicitário que atingem as propagandas que são
proibidas por serem “politicamente incorretas” – fato já utilizado
maliciosamente pelos publicitários. E se daqui a alguns anos uma ditadura de
esquerda de fato for possível, tais pessoas não serão as primeiras a aplaudir
de pé? Se agora nos parece bom que centenas de pessoas compartilhem um vídeo ou
o link de um blog, no qual se divulga coisas que acredito serem importantes,
mesmo que o façam a-criticamente, não poderão ser estas mesmas pessoas que irão
nos excomungar socialmente caso daqui uns anos nós não coadunemos com a “vida
tal como ela está” e com “o mundo tal como ele se apresenta”? Não fariam conosco
como faz a rede Globo quando cria seus astros e depois os derruba
hipocritamente?
O compartilhamento em massa de
informações pela web não pode se dar
sem a formação crítica dos indivíduos que participam disso, caso contrário eles
serão mera massa de manobra – o que não é, em nenhum caso, um ganho para a
sociedade se pensarmos como Mill. E isso não pode ser diferente do caso de
intervenções urbanas, performances e
obras de arte engajadas, bem como das
diversas formas de manifestação política: não podemos nos dar ao luxo de
vaidosamente ambicionarmos aplausos e adesão à nossa causa em troca da
manipulação dos indivíduos por meio meramente das emoções.
(Ouro Preto, 11 de junho de 2012)