segunda-feira, 11 de junho de 2012

Adolescências politicamente corretas: nossa massa de manobra!


Sou de esquerda. Grande parte dos meus amigos e conhecidos atualmente o são. Não tive, no início de minha formação, grande incentivo a isso. Não que meus familiares não fossem de esquerda, porém não havia abertamente uma formação de minha consciência esquerdista. Na verdade, havia em minha “sociedade” infanto-juvenil uma apoliticidade generalizada – e qualquer desinteresse político está mais relacionado ao direitismo que ao esquerdismo por seu caráter mantenedor da vida tal como ela está e de uma aceitação a-crítica do mundo tal como ele se apresenta. Acredito que isso era algo geral da sociedade brasileira há mais ou menos uma década atrás: algo que se chama “alienação”.
É fato que isso é algo diferente do que vemos hoje, pelo menos no que nos transparece na web, em seus blogs e em suas redes sociais – o chamado politicamente correto, em suas diversas vertentes: a “onda verde”, a sustentabilidade (palavra não prevista no dicionário de meu word 2003), as várias marchas pelas minorias iniciadas pelas redes, o grande compartilhamento de informações deste teor, a reprovação massiva das grandes corporações midiáticas, etc.
Diferentemente do que ocorria há uma década atrás, há hoje uma grande demanda por novas estéticas (enquanto era a rede Globo que as ditava), há uma maior aceitação da sensibilidade, há um maior incentivo para que as pessoas expressem e tenham uma opinião a respeito de assuntos que há 10 anos eram tidos como desinteressantes. E nisso, as ferramentas da web e as novas tecnologias tem um papel fundamental, por propiciar lugar para quem queira se expressar e um espaço de réplica da sociedade ao que é dito (e ao que não é dito) pelos médias “oficiais”.
Me parece apressado demais associar esse fenômeno de adesão ao ideário de esquerda à chegada de um partido de esquerda ao poder, uma vez que para isso seria necessária toda uma transformação da grade curricular das escolas brasileiras e uma substituição gradual dos professores atuais por aqueles que passariam à “pregar” idéias da esquerda. Não me parece o caso. Além do que, seria necessário que coincidissem o número de eleitores que votam nos partidos da esquerda com aqueles que compartilham informações ditas “de esquerda”.
Pelo contrário (e essa é uma mera opinião, talvez arraigada com um alarmismo e um conseqüente exagero de minha parte), me parece haver uma adesão a priori da juventude (a chamada “Geração Y”) ao ideário de esquerda. Me parece que há um tipo de irracionalismo na base da adesão a essa vertente ideológica específica, uma espécie de desejo de fazer parte de algo emocionalmente atrativo; algo que se relaciona com o que a psicóloga norte-americana Turkle define como um “sentimento de querer ter um sentimento para partilhar”. Vê-se isso na aceitação a-crítica de tudo que se coloca aparentemente a favor do que é de esquerda e a rejeição apressada do que se parece de direita – mesmo que não o seja. É isso que está na base da “ditadura do politicamente correto”, da qual tanto se fala hoje em dia.
Ora, poderíamos dizer que isso é algo bom que ocorre em nossa sociedade, uma vez que pela primeira vez na história o ideário de esquerda é “situação”, enquanto que há poucas décadas quem era de esquerda era considerado um mau cidadão – que é, notadamente, o que se pensa de quem se diz “de direita”. De fato, pessoalmente, preferiria uma ditadura de esquerda a uma ditadura de direita – se “esquerda” e “ditadura” não fossem, a meu ver, coisas que não se coadunam. 
Stuart Mill – filósofo utilitarista britânico, de esquerda (o primeiro filósofo a defender, por exemplo, o direito das mulheres) e radical defensor da liberdade – apresenta dois argumentos na defesa da liberdade de opinião (liberdade esta que significa a não existência de pressão social por sobre a formação de individualidades), que são resumidamente os seguintes: a sociedade só tem a ganhar com o conflito aberto de idéias e que, porque os seres humanos erram diversas vezes, a ditadura da maioria corre sérios riscos de incorrer em um erro generalizado – pelo contrário, no debate aberto de opiniões é preciso pensar criticamente para defender o que se acredita e isso diminui as chances de erro.
Afora a possibilidade de nós de esquerda estarmos enganados sobre nossas crenças, a adesão a-crítica das massas ao ideário esquerdista pode ser nociva de outra forma: se pessoas aderem à esquerda com base em algum tipo de reflexão, eles são capazes de defender seus ideais racionalmente. Saberão distinguir o que é algo que realmente importante, daquilo que é irrelevante. Não haveria uma aceitação ou compartilhamento de crenças (e links da web não deixam de serem crenças massivamente difundidas) na base do “todo mundo está partilhando”. Vê-se que hoje grande parte das pessoas que partilham links, caso surja uma discussão, é incapaz de dizer algo importante na defesa daquilo. Isto é, o que é que impede que daqui a uns anos partilhem material oposto pensando ser “de esquerda”? Penso que a própria ditadura do politicamente correto já tem o efeito oposto ao que uma pessoa verdadeiramente de esquerda deseja, se pense no forte apelo publicitário que atingem as propagandas que são proibidas por serem “politicamente incorretas” – fato já utilizado maliciosamente pelos publicitários. E se daqui a alguns anos uma ditadura de esquerda de fato for possível, tais pessoas não serão as primeiras a aplaudir de pé? Se agora nos parece bom que centenas de pessoas compartilhem um vídeo ou o link de um blog, no qual se divulga coisas que acredito serem importantes, mesmo que o façam a-criticamente, não poderão ser estas mesmas pessoas que irão nos excomungar socialmente caso daqui uns anos nós não coadunemos com a “vida tal como ela está” e com “o mundo tal como ele se apresenta”? Não fariam conosco como faz a rede Globo quando cria seus astros e depois os derruba hipocritamente?
O compartilhamento em massa de informações pela web não pode se dar sem a formação crítica dos indivíduos que participam disso, caso contrário eles serão mera massa de manobra – o que não é, em nenhum caso, um ganho para a sociedade se pensarmos como Mill. E isso não pode ser diferente do caso de intervenções urbanas, performances e obras de arte engajadas, bem como das diversas formas de manifestação política: não podemos nos dar ao luxo de vaidosamente ambicionarmos aplausos e adesão à nossa causa em troca da manipulação dos indivíduos por meio meramente das emoções.

(Ouro Preto, 11 de junho de 2012)    

terça-feira, 5 de junho de 2012

Homossexualismo e natureza humana


Há quem queira defender que o homossexualismo está errado porque é antinatural, mesmo que quem pense isso não seja totalmente contra as pessoas que gostam de indivíduos do mesmo sexo e que ajam de forma “tolerante”.
Em primeiro lugar, qualquer afirmação a respeito da natureza humana só pode se tratar de uma conjectura, pois os humanos são animais sociais, em cuja formação influi toda uma série de elementos externos, de forma que não podemos com segurança separar aquilo que seria naturalmente parte da “essência” humana e aquilo que é um construto sócio-ambiental. Além do que, a razão constitui uma possibilidade para que os seres humanos possam agir contrariamente aos ditames impulsivos de sua natureza, e talvez isso sirva para a crença de que por isso há homossexualidade entre os humanos, mas é algo que nos impede ainda mais de ter certeza a respeito disso.
      Não obstante, há inúmeros exemplos de homossexualismo entre os animais considerados irracionais (e por isso, animais que não podem agir diferentemente daquilo que lhes dita sua natureza), e por isso eu diria que podemos pelo menos considerar que temos indícios de que o homossexualismo é algo natural – uma vez que a análise desses fatos precisaria ser entrelaçada com a análise de inúmeros fatores, como por exemplo, a quantidade de animais do mesmo sexo, se os animais de determinada área estão se reproduzindo ou não, etc.
            De qualquer forma, penso que o recurso a uma suposta natureza humana para tratar de qualquer caso social está fadado ao erro: se formos fundamentar qualquer crença com base em conjecturas, poderíamos, por exemplo, defender que o sexo sem fins de reprodução da espécie é antinatural; que uma sociedade pacífica é antinatural, pois os seres humanos seriam naturalmente violentos; que o roubo e o assassinato não deveriam ser proibidos, uma vez que a lei da sobrevivência é uma constante entre todos os indivíduos; e por fim, os velhos deveriam ser assassinados, pois não têm o que contribuir com a sociedade (e a sobrevivência desta é o que há de mais natural) e o amor por eles é antinatural, portanto.  

(Ouro Preto, 28 de maio de 2012)