quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Republicanos x não-republicanos: profissão repórter, hipocrisias e mentiras

Será que ninguém reparou na ironia de que, no “Profissão Repórter que ia falar mal das repúblicas de Ouro Preto”, durante todos os intervalos comerciais, passaram as propagandas da vodka Absoluty e de uma cerveja (que não prestei atenção), na qual dois indivíduos imaginam um novo mundo, no qual essa mesma cerveja seria imprescindível? Esses comerciais passam na globo todas as noites e, possivelmente, se destinam somente às repúblicas de Ouro Preto.
Será que ninguém percebeu que a maior parte do programa, quando esse trata de Ouro Preto, se passa na Rua Direita e que esta estava lotada? Provavelmente são republicanos que ali estavam... Estes mesmos republicanos aprenderam a beber em Ouro Preto, pois aqui são obrigados a isso. E aqui se tornaram alcoólatras.
Esta prática foi inventada nas repúblicas, logo, tais comerciais só podem se destinar às repúblicas.
Essa é a visão, ou pelo menos o que estão dizendo os que atacam as repúblicas. O que é um absurdo óbvio.

Do outro lado, estão os que dizem #calabocapotira. Essa Potira é a menina que aparece dizendo que quando morou em república foi obrigada a beber – ela diz que a fala dela foi cortada e que o sentido foi fabricado, o que é provavelmente verdade, afinal todos sabem que repórteres fazem isso mesmo. Quem a critica deve ser bixo... Só pode ser isso! Afinal todos sabem que, mesmo depois da proibição deste tipo de prática, muita gente ainda é obrigada a beber em alguns cantos de Ouro Preto (quando digo “obrigada a beber”, leia-se que ou a pessoa é obrigada de fato ou ela é incentivada por seus companheiros de república por diversos motivos). Eu já vi, muita gente já viu, então quem nega deve ser bixo ou tem algum rabo preso. Semana passada mesmo eu escutei um calouro no ônibus dizendo que “porque um de seus irmãos de batalha não bebe e porque o outro bebe muito” ele é obrigado a beber muito também – ele estava feliz com a situação e não sou psicólogo pra saber até que ponto foram introjetados “valores” republicanos em sua mente, se é que foram. Independente disto, alguém dá cachaça pra ele, porque é cultura de algumas repúblicas ainda ofertar cachaça para bixos; e por este mesmo motivo (por ser uma cultura) a grande maioria acaba cedendo à pressão – daí se deriva a crença de que o fazem porque querem, que é um tanto quanto controversa, mas cada caso é um caso e ninguém tem acesso à mente da outra pessoa pra saber o que os leva a escolher uma ou outra coisa.

As duas mortes ocorridas em tão pouco tempo em escolhas (em uma república particular e em uma federal) dão um veredicto categórico: a cultura republicana que aí está precisa ser modificada! Que a primeira morte tenha ocorrido justamente em uma república sem tradição de trotes demonstra isto da forma mais clara possível. (Somente não falo da segunda, pois desconheço as práticas e não conheço ninguém de lá). E com certeza, obrigar alguém a beber só pode ser a pior coisa neste sentido – ao contrário do que pensam pequenos nazistinhas enrustidos, beber não prova masculinidade, não faz ninguém virar mais companheiro e nem faz do bixo um futuro bom morador.
Mais que isso não diz nada, diferentemente do que pensam os que estão alegremente a atacar as repúblicas. Alias, diz sim: que o mundo inteiro está errado e que pegaram as repúblicas pra cristo!

Há uma grande dose de hipocrisia, ressentimento, oportunismo e covardia nestes que agora chamam de assassinos os republicanos... Como se em suas festas e comemorações não pudesse ocorrer nada semelhante; como se a mistura de bebidas, maconha, cocaína, êxtase e ácido em suas comemorações por estréia de peça não pudesse matar alguém.  Como se pessoas que agora estão atacando as repúblicas pelo facebook na página da UFOP não postassem orgulhosos que ficaram doentes após 15 dias bebendo sem parar; como se eu já não tivesse encontrado nobres amigos (não republicanos), que aqui condenam as bebedeiras, dormindo bêbados na calçada em pleno inverno de Ouro Preto, prontos a terem uma hipotermia; como se não fosse uma cultura mundial encher a cara para comemorar qualquer fato; como se quase todas as músicas de sucesso atuais não tivessem como principal assunto bebedeira e festa (alias, desde pelo menos Jack Kerouac, é muito comum que a cultura louve a bebedeira); como se ninguém tivesse passado por uma situação em que um amigo, depois de beber muito, dormisse como uma pedra, tornando o sistema nervoso incapaz de reagir; como se em uma simples busca no google pela sentença “morto sufocado no próprio vomito” não aparecessem dezenas de famosos que após uma bebedeira morreram desta forma – eu não sabia que Amy Winehouse morou em república em Ouro Preto, por exemplo! Jimmi Hendrix, idem.

Porém, isto não demonstra que as repúblicas não estejam erradas: as repúblicas precisam aprender a aceitar criticas sem temer que isso coloque em xeque todo o modo de “vida republicana”. Há muito que mudar e há muito o que não mudar – não se deve mudar, por exemplo, o fato de que há muito mais um tipo de rara amizade e companheirismo dentro do sistema republicano do que no mundo externo, que os estudantes da UFOP e ex-moradores de república continuam a serem respeitados em empresas do país todo por terem adquirido competências extremamente necessárias (e também raras) nos mais diversos trabalhos, que muitos estudantes de república que levam uma vida dupla entre estudos e rocks muitas vezes têm coeficientes mais altos que muitos dos que criticam repúblicas, talvez porque não se aprenda somente passando horas na frente de livros... Coisas que os que atacam as repúblicas se negam a aceitar, sabe-se lá por quê. E as tais práticas ridículas de submissão do calouro que ainda algumas repúblicas insistem em manter não têm nada a ver com isso; representam somente um retrocesso e minam todos aqueles ganhos anteriores.. A cada vez maior dificuldade de tais repúblicas preencherem todas as vagas é uma prova disso, bem como o fato de que muitas empresas, e cursos de pós-graduação já evitam ex-alunos da UFOP por causa da má fama. Da mesma forma que o “louvor” à cachaça, que, embora na maioria dos casos não leve a problemas, quando leva – ao alcoolismo e às mortes – é grave o suficiente para não valer a pena.    

Enfim, só há mentira e hipocrisia de ambos os lados que participam dessa discussão: de um lado os que odeiam e sempre odiaram repúblicas (desde o simples e inocente fato de haver uma placa ou uma bandeira com o nome da república, até o ódio justificado pelo fato de que diversas têm trotes), a atacar costumes que eles (e seus pais, tias e tios) partilham. De outro, gente querendo tapar o sol com a peneira e calar qualquer assunto desagradável, pensando que é ainda possível negar que muito precisa ser mudado e acreditando que uma clausura pétrea da cultura ouro-pretana é não modificar nada nas repúblicas. Pra ambos eu indico a assistência psicológica da PRACE, sair do facebook e viver um pouco de realidade.

(Ouro Preto, 5 de dezembro de 2012)