sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Plano de Ensino e Aprendizagem de Filosofia – Enrique Marcatto Martin



Plano de Ensino e Aprendizagem de Filosofia – Enrique Marcatto Martin

A seguinte proposta, que leva em conta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9.394/96, a Constituição Brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, o disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias: Ensino de Filosofia (2006) e a Proposta Curricular para o Ensino Médio do estado de Minas Gerais (CBC), pretende fornecer uma explanação de minha estratégia didática, a qual considero adequada ao ensino de filosofia no ensino médio. Entretanto, não constitui uma forma rígida e imutável de prática pedagógica, sendo adaptável a várias situações educacionais e propostas pedagógicas específicas. Desta forma, não pretende substituir os documentos acima e muito menos a proposta pedagógica da escola na qual for aplicada.

INTRODUÇÃO
Estudar filosofia é algo que é distinto de estudar outras disciplinas como biologia ou matemática. No caso destas matérias, estudar é uma questão de entender e assimilar os resultados alcançados pelos biólogos e pelos matemáticos, conforme passados pelo professor e raciocinar sobre eles. Mas em filosofia não há algo como resultados a serem ensinados e compreendidos pelos alunos. Isto porque quase tudo aquilo que é estudado pelos filósofos, isto é, os problemas filosóficos, estão em aberto; isto significa que não há uma concordância entre eles quanto à sua solução. Há várias respostas diferentes para as diversas perguntas e problemas filosóficos com mais de mil anos continuam a serem discutidos, levando a cada vez mais problemas, aparentemente, também sem solução simples.
Desta forma, há duas formas costumeiras de se estudar e de se ensinar filosofia:
a) Estudar/ensinar a história da filosofia
b) Estudar/ensinar problemas filosóficos
A primeira forma (a) tenta lidar com a filosofia como se fosse uma disciplina comum e apagar a sua especificidade, fazendo do pensamento dos principais filósofos da história seu objeto a ser compreendido e aprendido pelos alunos. Caberia ao professor, apresentar e contextualizar cada filósofo, explicar a estrutura do problema que ele lida e a resposta que dá a este.
O ensino de história da filosofia (a), razoavelmente comum, é bastante improdutivo e só será atraente para aqueles alunos já interessados previamente em filosofia, uma vez que, para a grande maioria das pessoas, não há razão alguma para se querer saber o que disseram pessoas há muitos séculos atrás sobre assuntos que não lhes interessam – ainda que estas pessoas sejam famosas. 
A segunda forma (b) consiste em apresentar os grandes problemas filosóficos e as respostas que alguns pensadores ofereceram a elas. Esta é mais eficaz que a primeira e mais interessante, uma vez que, normalmente, as questões clássicas de filosofia são aquelas perguntas que naturalmente as pessoas também se fazem. Portanto, esta forma pode gerar discussões em sala de aula e maior participação dos alunos. Deste modo, é inicialmente mais atraente aos estudantes, pois, interessados nos problemas filosóficos irão querer saber quais respostas os filósofos apresentaram a eles.
Esta tática, porém, é temporalmente limitada, já que é exaustiva e acaba por gerar grande incomodo por parte dos alunos. Além disso, as discussões, por mais divertidas que possam ser para os alunos, tendem a se tornarem vazias de conteúdo, pois esses interpretam que basta expressarem suas opiniões, reproduzir ou não a opinião de um filósofo e concordar ou não com ela. Há ainda um problema principal e que se aplica ainda ao ensino de história da filosofia (a).

A UTILIDADE DA FILOSOFIA
                A questão da utilidade da filosofia é quase tão antiga quanto à própria filosofia e a demanda por conhecimentos considerados úteis atinge não só o ensino de filosofia, como todas as disciplinas. Deseja-se conhecer coisas úteis, isto é, que sejam instrumento para algo. Conforme descreve Desidério Murcho[1], atualmente na educação algumas correntes instrumentalistas são 1) a educação para a vida ativa; 2) a educação para cidadania; e 3) a formação para o mercado de trabalho.
                Costumeiramente, os professores de filosofia aprenderam a lidar com esta demanda problematizando a própria definição do que venha a ser “útil” e os motivos pelos quais se procura sempre a utilidade. De fato, é importante que tais coisas sejam colocadas em causa, uma vez que a busca incessante por aquilo que é útil atende a critérios imediatistas que muitas vezes são equivocados. Muito do que é útil em um determinado momento não o é em longo prazo. Em nosso território específico, muitos conhecimentos práticos e úteis em curto prazo já não servem para nada em pouco tempo, enquanto conhecimentos centrais, como a matemática não aplicada e a gramática, não deixam de ser úteis assim tão facilmente, uma vez que formam a base para outros conhecimentos.
                Mas e a filosofia, é útil ou inútil? Ora, simplesmente saber o que disseram Platão, Aristóteles, Kant, Sartre e Heidegger sobre determinado assunto, aparentemente não tem mais utilidade para a vida ativa, para a formação da cidadania ou para a formação para o mercado de trabalho do que saber se um ator famoso é casado ou não, se não se tem interesse por estes assuntos. Um estudante que porventura queira fazer, por exemplo, um curso de direito poderá passar no exame de seleção, se formar advogado e trabalhar sem nunca saber o que disseram Aristóteles, Hobbes e Locke sobre as leis e sobre o Estado civil. Desta forma, estudar história da filosofia ou certos problemas de filosofia, e a resolução que alguns filósofos encontraram para eles, não são coisas imediatamente úteis.
                Porém, a partir da problemática que envolve a “utilidade” podemos assumir que não há problema algum nisso e que saber algo que não serve para nada prático não é nenhum problema. Qual é o problema em saber algo ainda que este algo não sirva para nada? Muitos professores partem desta premissa e enveredam pelas formas (a) e (b) de ensino de filosofia: aprender filosofia será, então, compreender ou o pensamento dos grandes filósofos (a) ou compreender os grandes problemas filosóficos e suas resoluções (b), o que por si só já tem valor.
                Entretanto não seria melhor para os alunos se além de obter este conhecimento, ele servisse para alguma coisa, ainda que em longo prazo? Será verdade que a filosofia é inútil?
                Bem, é possível que mesmo o ensino de história da filosofia ou de problemas filosóficos possa ser útil em alguns casos, em longo prazo, mas em um sentido mais fraco, pois o simples movimento do aluno de se esforçar para aprender, compreender e refletir sobre o assunto é importante, como é importante estudar matemática independentemente de utilizá-la ou utilizar parte dela no futuro.
Entretanto, é preciso levar em consideração que, para os alunos, inicialmente, não faz sentido saber o que filósofos e pensadores de séculos atrás disseram, bem como alguns questionamentos parecem infundados ou sem sentido. Eles têm preocupações diferentes e mais imediatistas (ainda que plenamente justificadas), como saber o que irá cair no Exame Nacional do Ensino Médio ou em algum concurso, bem como saber se o que aprendem terá aplicação na vida prática. Ora, ainda que a filosofia estudada nestes formatos possa ter um pequeno aproveitamento prático e que possa ter alguma aplicação na preparação para tais exames, não será a explanação sobre este aspecto, em uma ou mais aulas introdutórias da disciplina de filosofia, que os fará ter interesse durante o resto do ano pela matéria.
                É possível, porém, que a filosofia, bem trabalhada desperte, não só o interesse dos alunos, como concorra para o desenvolvimento de competências completamente úteis a curto e em longo prazo. O ensino de filosofia só será inútil ou, no máximo, útil neste sentido fraco se se reduzir às duas formas (a) e (b) de ensino. Ou seja, ainda que a filosofia não necessariamente precisasse atender a tais demandas, como a matemática não precisaria, ela pode ser mais bem trabalhada e tornada útil, bem como a utilidade da matemática pode ser maximizada, quando se estuda coisas que realmente serão utilizadas na vida prática – o que não apaga o fato de que são importantes independentemente de sua utilidade.

EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA
                Há outra alternativa para o ensino de filosofia que não elimina as duas anteriores e as absorve como momentos da prática de ensino, que é algo que se assemelha a uma espécie de engenharia de ideias[2] ou de ciência do pensamento. Esta forma de conceber a filosofia não se reduz a um conjunto de conhecimento estabelecido pela história da filosofia a ser apreendido pelos estudantes, passado e cobrado pelo professor, mas sim se utiliza dos elementos desta para refinar a capacidade dos estudantes de raciocinar. Tira proveito também dos problemas filosóficos e das discussões que eles geram, mas não se reduz a apresenta-los e a incentivar que os alunos discutam.
                Este modo de ensinar filosofia dá atenção ao pensamento dos principais filósofos visando explicitar seus argumentos e o que está em jogo em cada discussão filosófica, bem como as nuances do pensamento. Assim, de partida elimina a divisão entre o ensino de história da filosofia e dos problemas filosóficos, como também não se reduz a sua mera exposição, pois visa à outra coisa. 
Não se trata também do mero ensino das formas de raciocínio e argumentação, isto é, de lógica, mas do uso disso para melhor apreensão do material histórico.  
Vamos ver como isso se dá.

METODOLOGIA
                Os seguintes itens, em condições ideais, seguem uma ordem cronológica, mas, de acordo com a necessidade, esta pode ser modificada ou os itens podem ser realizados simultaneamente.
               
1) Diagnóstico
É importante, de saída, se fazer um diagnóstico de assuntos provocadores, isto é, problemas que fazem parte do repertório dos alunos, como assuntos atuais que encontrem eco em discussões filosóficas[3] – uma tarefa razoavelmente simples, uma vez que há uma grande quantidade de opções em todas as épocas da filosofia e subconjuntos de áreas e problemas da filosofia.   
                O diagnóstico é importante, pois será fundamental eleger um assunto em voga para retirar a filosofia de um lugar afastado da realidade dos alunos e gerar interesse.
                O diagnóstico deve ser realizado no primeiro contato com os alunos, por meio de conversa informal e apresentação da disciplina, mas precisa ser refeito a todo tempo e deve balizar o desenvolvimento da disciplina.

2) Introdução de elementos de lógica e argumentação
                Fundamental para o desenvolvimento da disciplina e para que os alunos aprendam a reconhecer os argumentos e elementos destes e, em contrapartida, aprendam a argumentar e a contra argumentar.
                A introdução de elementos de lógica e argumentação deverá ocupar algumas aulas, mas, assim como o diagnóstico, deverá ser realizada a todo tempo e a cada nova discussão, visando explicitar o uso da lógica a partir da argumentação dos alunos e dos filósofos.

3)  Introdução aos problemas de filosofia e seus principais pensadores
                Uma vez realizado o diagnóstico e eleitos os assuntos provocadores, a matéria deverá ser lecionada explicitando a sua relação com eles, isto é, aproximando algum tema e pensadores específicos ao assunto, mostrando soluções de forma dinâmica e dando grande foco ao item 2.
                Este item é inseparável do seguinte.

4) Discussão dirigida de assuntos provocadores             
Como o tema das aulas busca se relacionar a uma realidade próxima dos estudantes, estes deverão ser estimulados a apresentar suas opiniões a respeito do assunto tratado. O papel do professor será questiona-los e discutir suas opiniões exigindo que apresentem bons argumentos e melhores os raciocínios. Neste ponto, o pensamento de filósofos e problemas filosóficos clássicos que se relacionem com o tema da aula, serão elementos importantes para que os estudantes melhores suas opiniões.
A discussão não se reduzirá, pois, à expressão de opiniões, mas se dirigirá ao aumento qualitativo de rigidez argumentativa e, portanto, a um ganho qualitativo na capacidade dos estudantes a produzirem raciocínios cada vez mais elaborados, que deverão ser confrontados (e somados) às opiniões dos filósofos. Isto é, aqui o aluno passa a aprender com os filósofos (e não mais sobre os filósofos) a como melhorar as suas próprias ideias.   
A discussão não se limita à discussão oral realizada ao longo das aulas, mas também deverão ser realizadas atividades de ensaios filosóficos, nas quais serão estimulados a defenderem uma posição e apresentarem argumentos para ela. 

OBJETIVOS
      Assim, o principal objetivo que se espera atingir é contribuir para que o aluno desenvolva as competências necessárias para atingir a Autonomia intelectual, que é o objetivo geral deste plano de ensino.
O aumento da capacidade argumentativa e o confronto de ideias, entre as quais as dos próprios alunos, implicam em raciocínios mais bem elaborados e isso, constitui um ganho para a autonomia intelectual dos sujeitos. O que significa que os alunos desenvolverão habilidades cognitivas, reflexivas e críticas, listadas na Proposta Curricular de Filosofia para o Ensino Médio da Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais como as atitudes de que a filosofia contribui para que estes atinjam (objetivos específicos):
a) perceber;
b) problematizar;
c) refletir;
d) conceituar e
e) argumentar
Isto, pois, ao desenvolver a capacidade de perceber o que está em jogo em uma discussão, em um texto, em um argumento ou um problema da própria realidade, o aluno, incentivado a isso, tende a problematizar e a refletir e, a partir disso, conceituar, isto é, buscar sintetizar aquilo que pretende exprimir e defender sua posição. E isso significa autonomia intelectual que tende a refletir na própria vida dos alunos.

CONCLUSÃO
A autonomia intelectual é o serviço que a filosofia presta, propriamente dito, ou seja, a sua utilidade. Não se trata somente de um conteúdo a ser apreendido e reproduzido. A ideia é a de melhorar o raciocínio e o pensamento, através do confronto das opiniões dos alunos ou de ideias corriqueiramente postas na realidade, com o pensamento dos filósofos e com os problemas filosóficos imbricados com os temas.
Ora, mas a autonomia não pode significar apenas que o aluno dê sua opinião, é preciso que o aluno aprenda a ter boas opiniões, que aprenda a raciocinar e a defender uma posição. Portanto, ter “boa opinião” não significa que o aluno deva pensar aquilo que o professor considera que é correto – isso seria o contrário da autonomia. É necessário que o aluno pense por si só e que aprenda a pensar. Neste sentido, ter uma boa opinião significa ter boas razões para pensar algo e saber defender o que se pensa e, ainda, saber reconhecer os erros de seu próprio raciocínio e mudar de opinião, se, e somente se, lhe forem apresentadas boas razões para isso.  
Assim, é importante aprender a discutir as diferentes teorias dos filósofos, ao invés de nos limitarmos a compreendê-las. Aprender a discutir implica, em grande parte, a aprender a argumentar e a raciocinar.
Quando o aluno desenvolve estas competências, se pode dizer com segurança que ele estará mais preparado do que antes para enfrentar novas questões e problemas. Isto significa que a filosofia não se restringirá a ser certo conjunto complexo de elementos afastados da realidade e que têm uma utilidade meramente potencial.
Em primeiro lugar, a própria realidade e as questões que ela nos coloca é que serão a matéria a ser aproximada da filosofia; em segundo, a filosofia, será plenamente útil e afiada com as demandas da sociedade: “Ensinar Filosofia, no final do séc. XX e começos do século XXI, passa a significar formação crítica e torna-se um elemento decisivo na redescoberta da educação para a cidadania (recuperando o cerne do movimento socrático-sofístico da Atenas do séc. V a.C.)” (Proposta Curricular para o Ensino Médio de Filosofia do Estado de Minas Gerais, p. 7).
Desta forma, a autonomia intelectual é a base para outras competências exigidas pelos mais diversos segmentos da sociedade e engloba as diferentes concepções de ensino, desde a de que o ensino deve preparar para o mercado de trabalho, até a de que deve formar bons cidadãos.
Não basta, pois, para isso, que os alunos tenham domínio de certo número de problemas filosóficos, mas sim que tenham as competências necessárias para perceber os elementos que estão em jogo conforme os problemas lhes são apresentados (independente de não terem nenhum conhecimento prévio a respeito deles), refletir sobre eles e saber tomar uma posição bem refletida.
                Desta forma e por fim, a avaliação neste formato de ensino não será a da quantidade e qualidade do conteúdo apreendido e compreendido pelos alunos, mas sim se estes alunos tiveram um ganho na capacidade argumentativa, na percepção de elementos da argumentação e se sabem se posicionar criticamente.

A filosofia por si só é importante, como a própria autonomia. Mas isso não significa que ambas não sirvam para nada além. A filosofia é útil também para quem não se interessa pelo tipo de conhecimento que ela constitui e não tem interesse algum em problemas filosóficos, pois o raciocinar filosoficamente implica em ganho de autonomia intelectual, uma competência fundamental para tantas exigências que se faz hoje à educação.



  


[1] Desidério Murcho, “Para que serve o Ensino?” Publicado em: http://criticanarede.com/ens_valor.html
[2] Este termo é utilizado por meu antigo professor Desidério Murcho para se referir a sua concepção de filosofia.
[3] Isto deve levar em consideração o Projeto Pedagógico da escola como um todo, bem como as séries e o conteúdo programado previamente para ser lecionado (quando for o caso). 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Novos personagens no Game of Thrones brasileiro

Nessa última semana as coisas têm acontecido em uma rapidez impressionante. No máximo há dois dias uma percepção geral tomou conta de todos que estão ativos nos protestos: a falta de orientação política e ideológica do movimento. Rapidamente surgiram muitos e ótimos textos sobre o assunto e sobre o risco da cooptação do movimento por bandeiras da direita e sobre a dispersão em uma profusão de ideias, que tornam impossível qualquer reivindicação séria.
Dois dos melhores textos são o de Miguel do Rosário e o de Natacastro (links abaixo).
Levando essa percepção dos blogs para a ação concreta, os movimentos, pelo menos nas capitais, estão buscando levantar reivindicações gerais e coloca-las em pauta, traçando um plano de metas, bem como uma agenda dos protestos, uma vez que estes estão surgindo a partir de várias direções, causando uma confusão de informações (eventos diferentes nos mesmos horários, boatos sendo reproduzidos, mentiras, etc.).
Porém, conforme vão surgindo as reivindicações nos papéis e as pessoas com experiência em movimento político vão se tornando mais ativas neste processo, o grosso dos manifestantes se ressentem.
Conforme se vai dando bois, isto é, quando se transforma a indignação em propostas palpáveis, começam a surgir os insatisfeitos. O que é absolutamente compreensível e plausível (sentimento do qual partilho) e que ocorre por, pelo menos, duas coisas: primeiro, a percepção que mesmo que tivéssemos cem ou mil pautas de reivindicações e que estas fossem lindamente alcançadas, ainda não seria suficiente, porque, mesmo quem não sabe do que se trata, deseja reformas estruturais, o que, em ultima instância significa revolução, pacífica ou não.
Isso fica claro nas páginas dos eventos dos protestos. Nunca é o suficiente: sempre falta isso ou aquilo. E isso traz uma novidade a tudo isso que está ocorrendo: o surgimento de novos personagens, antes desorganizados (é preciso reconhecer que ainda desorganizados), algo espontâneo e democrático, pessoas que tem demandas próprias que, acreditam, não estão contempladas em demandas anteriores, seja de movimentos, seja de partidos.
            E aí, entra a segunda causa: a desconfiança pelo oportunismo dos partidos, sindicatos e coletivos. Ora, quem faz parte de algum movimento ou fez parte, sabe que há algo de justificado aí. Mesmo que alguém não queira reconhecer como oportunista a si próprio ou ao grupo do qual faz parte, pode reconhecer isso em seus inimigos políticos. Afinal, não é a toa que muitos grupos não batam muito bem: todos se acusam de oportunismo.

Para o primeiro problema, é preciso encontrar soluções que contemplem diversas reivindicações por serem mudanças mais radicais e de base, da qual uso como exemplo a reforma política, que atinge, entre outras coisas, os contratos absolutamente imorais com empresários, inclusive do ramo do transporte pública e que encarecem a passagem e sucateiam os serviços, desvio de verba pública, pessoas que não nos representam em cargos importantes, etc.
Para o segundo, sindicatos, coletivos e militantes de partidos, precisem, talvez, retroceder sob pena de colocar o próprio movimento em risco e voltarmos a como era antes, com movimentos pequenos e dispersos. O que talvez não seja tão grave se, de fato, não forem oportunistas e se o movimento os representa. É injusto, porque éramos as pessoas que desde sempre estivemos lutando? É errado e burrice? Sim, mas fazer o quê se a politicagem afastou da política os que enfim acordaram...
Entretanto, é fato que o movimento precisa de organização, coordenação, pessoas que entendam de política, porque, como diz meu amigo Wernner Lucas, “política não é pra amadores”. É preciso conhecer e combater artimanhas, conhecer números, estatísticas e quem é quem na guerra dos tronos. E nisso, aqueles que estão na luta há mais tempo podem atuar (para fazer jus ao título do texto: se não entendermos o que acontece em cada canto de Westeros e quisermos nos meter em política e ter como guia simplesmente a vontade e a honra, se somos novos no pedaço como um Ned Stark, teremos uma morte violenta). E ninguém melhor neste caso que os sindicatos, coletivos e militantes de partidos.  
Porém, isso é muito diferente de se ter lideres! Os militantes experientes precisam realmente reconhecer que estes novos personagens não são massa de manobra, bem como é preciso reconhecer que, mesmo que o movimento tenha surgido de grupos específicos, ele não mais pertence a ninguém.
Agora, as pessoas que tem horror a partidos, a coletivos, a sindicatos, a organização e coordenação precisam, por sua vez, reconhecer, que, quer queira, quer não, vai chegar uma hora que algumas pessoas vão ter que serem destacadas (o que é diferente de se “destacar”, embora a mídia vá fazer de tudo para que isso aconteça). Se alguém realmente luta nesse movimento por mudanças, vai chegar a hora de negociar, e não se negocia com milhares de pessoas, mas com representantes. Vão ter que aprender que é preciso alguma unidade, porque alguém precisa centralizar tudo o que está acontecendo e tudo o que se deseja. E vão ter que aprender que nem toda reivindicação faz sentido e que muitas são contraditórias com outras. E aí, uma pessoa que defende bandeiras da direita, por exemplo, vai ter que perceber que este movimento e estes protestos não são um oba-oba-vou-parar-de-xingar-no-twitter: as reivindicações principais são a pauta típica da esquerda a muitos anos!

Vai ter oportunista querendo se aproveitar disso? Sim, mas estes são facilmente reconhecidos. O pior problema é que, principalmente, vai ter gente querendo massagear o próprio ego; militante velho querendo ser reconhecido como guru do movimento... Porém, isso é natural. Da mesma forma tem adolescente querendo aparecer mais que outros nas discussões dos eventos do facebook, querendo ser dono da verdade, etc.
A única forma de se combater isso é a vigilância coletiva. Aprender a fazer algo que devíamos ter sempre feito com nossos representantes políticos: trata-los e faze-los entender que não são superiores, chefes, lideres – são meros representantes.
Novamente: vai ter gente cometendo abusos egóicos? Sim, mas isso é inevitável e, como um todo, a coerência e a consistência do movimento vai se dar de forma dialética, pois não há outra forma de se lidar com tudo isso.  


Link para os textos acima citados (Coincidentemente, ambos tem café no meio):



quarta-feira, 6 de março de 2013

Chorão, Charlie Brown e a má qualidade musical


Desde a invenção da indústria radiofônica, até o surgimento dos Beatles, que popularizam a ideia de que qualquer garoto comum que arranhasse um instrumento pudesse fazer música montando uma banda, criou-se um “problema” para os elitistas culturais: a música “”””sem qualidade”””” que antes só estava presente na boca do povo – isso quando saída de dentro de uma casa e que pouquíssimo se transmitia de cidade em cidade, quanto mais de geração em geração (por isso que temos inúmeros registros da chamada música erudita enquanto pouco da música popular) – começa a ficar conhecida. A partir daí qualquer garoto de 15 anos pode fazer uma musica tal e qual o artista que aparece na MTV e no Faustão. E aí esses elitistas culturais tentam provar a falta de qualidade musical dessa música, em contraposição a aquilo que hoje é socialmente estabelecido como “bom”; diga-se de passagem, sem argumento algum que difira daqueles utilizados a séculos atrás pelas elites e que há poucas décadas atrás atacavam as mesmas músicas que hoje tais elitistas acreditam ser o suprassumo da qualidade. Morreu hoje mais um destes garotos. Ele era o vocalista e letrista do CBJR, banda que todos os músicos e estudiosos de música que conheço dizem que é boa, “com exceção do Chorão – péssimo vocalista e letrista”, como eram as cantoras de Jazz e os primeiros roqueiros. O primeiro que fizer uma teoria da qualidade musical que funcione que atire a primeira pedra.

Mas tem aquela também: 

“Você falou pra ela que eu sou louco e canto mal
Que eu não presto
Que eu sou um marginal
Que eu não tenho educação
Que eu só falo palavrão
E pra socialite eu não tenho vocação
Sei que isso tudo é verdade
Mas eu quero que se foda essa porra de sociedade
Pago minhas contas sou limpinho
Não sou como você filho da puta, viadinho
Então, já era...”

(Ouro Preto, 06 de março de 2013)