quarta-feira, 19 de junho de 2013

Novos personagens no Game of Thrones brasileiro

Nessa última semana as coisas têm acontecido em uma rapidez impressionante. No máximo há dois dias uma percepção geral tomou conta de todos que estão ativos nos protestos: a falta de orientação política e ideológica do movimento. Rapidamente surgiram muitos e ótimos textos sobre o assunto e sobre o risco da cooptação do movimento por bandeiras da direita e sobre a dispersão em uma profusão de ideias, que tornam impossível qualquer reivindicação séria.
Dois dos melhores textos são o de Miguel do Rosário e o de Natacastro (links abaixo).
Levando essa percepção dos blogs para a ação concreta, os movimentos, pelo menos nas capitais, estão buscando levantar reivindicações gerais e coloca-las em pauta, traçando um plano de metas, bem como uma agenda dos protestos, uma vez que estes estão surgindo a partir de várias direções, causando uma confusão de informações (eventos diferentes nos mesmos horários, boatos sendo reproduzidos, mentiras, etc.).
Porém, conforme vão surgindo as reivindicações nos papéis e as pessoas com experiência em movimento político vão se tornando mais ativas neste processo, o grosso dos manifestantes se ressentem.
Conforme se vai dando bois, isto é, quando se transforma a indignação em propostas palpáveis, começam a surgir os insatisfeitos. O que é absolutamente compreensível e plausível (sentimento do qual partilho) e que ocorre por, pelo menos, duas coisas: primeiro, a percepção que mesmo que tivéssemos cem ou mil pautas de reivindicações e que estas fossem lindamente alcançadas, ainda não seria suficiente, porque, mesmo quem não sabe do que se trata, deseja reformas estruturais, o que, em ultima instância significa revolução, pacífica ou não.
Isso fica claro nas páginas dos eventos dos protestos. Nunca é o suficiente: sempre falta isso ou aquilo. E isso traz uma novidade a tudo isso que está ocorrendo: o surgimento de novos personagens, antes desorganizados (é preciso reconhecer que ainda desorganizados), algo espontâneo e democrático, pessoas que tem demandas próprias que, acreditam, não estão contempladas em demandas anteriores, seja de movimentos, seja de partidos.
            E aí, entra a segunda causa: a desconfiança pelo oportunismo dos partidos, sindicatos e coletivos. Ora, quem faz parte de algum movimento ou fez parte, sabe que há algo de justificado aí. Mesmo que alguém não queira reconhecer como oportunista a si próprio ou ao grupo do qual faz parte, pode reconhecer isso em seus inimigos políticos. Afinal, não é a toa que muitos grupos não batam muito bem: todos se acusam de oportunismo.

Para o primeiro problema, é preciso encontrar soluções que contemplem diversas reivindicações por serem mudanças mais radicais e de base, da qual uso como exemplo a reforma política, que atinge, entre outras coisas, os contratos absolutamente imorais com empresários, inclusive do ramo do transporte pública e que encarecem a passagem e sucateiam os serviços, desvio de verba pública, pessoas que não nos representam em cargos importantes, etc.
Para o segundo, sindicatos, coletivos e militantes de partidos, precisem, talvez, retroceder sob pena de colocar o próprio movimento em risco e voltarmos a como era antes, com movimentos pequenos e dispersos. O que talvez não seja tão grave se, de fato, não forem oportunistas e se o movimento os representa. É injusto, porque éramos as pessoas que desde sempre estivemos lutando? É errado e burrice? Sim, mas fazer o quê se a politicagem afastou da política os que enfim acordaram...
Entretanto, é fato que o movimento precisa de organização, coordenação, pessoas que entendam de política, porque, como diz meu amigo Wernner Lucas, “política não é pra amadores”. É preciso conhecer e combater artimanhas, conhecer números, estatísticas e quem é quem na guerra dos tronos. E nisso, aqueles que estão na luta há mais tempo podem atuar (para fazer jus ao título do texto: se não entendermos o que acontece em cada canto de Westeros e quisermos nos meter em política e ter como guia simplesmente a vontade e a honra, se somos novos no pedaço como um Ned Stark, teremos uma morte violenta). E ninguém melhor neste caso que os sindicatos, coletivos e militantes de partidos.  
Porém, isso é muito diferente de se ter lideres! Os militantes experientes precisam realmente reconhecer que estes novos personagens não são massa de manobra, bem como é preciso reconhecer que, mesmo que o movimento tenha surgido de grupos específicos, ele não mais pertence a ninguém.
Agora, as pessoas que tem horror a partidos, a coletivos, a sindicatos, a organização e coordenação precisam, por sua vez, reconhecer, que, quer queira, quer não, vai chegar uma hora que algumas pessoas vão ter que serem destacadas (o que é diferente de se “destacar”, embora a mídia vá fazer de tudo para que isso aconteça). Se alguém realmente luta nesse movimento por mudanças, vai chegar a hora de negociar, e não se negocia com milhares de pessoas, mas com representantes. Vão ter que aprender que é preciso alguma unidade, porque alguém precisa centralizar tudo o que está acontecendo e tudo o que se deseja. E vão ter que aprender que nem toda reivindicação faz sentido e que muitas são contraditórias com outras. E aí, uma pessoa que defende bandeiras da direita, por exemplo, vai ter que perceber que este movimento e estes protestos não são um oba-oba-vou-parar-de-xingar-no-twitter: as reivindicações principais são a pauta típica da esquerda a muitos anos!

Vai ter oportunista querendo se aproveitar disso? Sim, mas estes são facilmente reconhecidos. O pior problema é que, principalmente, vai ter gente querendo massagear o próprio ego; militante velho querendo ser reconhecido como guru do movimento... Porém, isso é natural. Da mesma forma tem adolescente querendo aparecer mais que outros nas discussões dos eventos do facebook, querendo ser dono da verdade, etc.
A única forma de se combater isso é a vigilância coletiva. Aprender a fazer algo que devíamos ter sempre feito com nossos representantes políticos: trata-los e faze-los entender que não são superiores, chefes, lideres – são meros representantes.
Novamente: vai ter gente cometendo abusos egóicos? Sim, mas isso é inevitável e, como um todo, a coerência e a consistência do movimento vai se dar de forma dialética, pois não há outra forma de se lidar com tudo isso.  


Link para os textos acima citados (Coincidentemente, ambos tem café no meio):