Quem
é o culpado pelo suicídio da garota de Veranópolis (a estudante Giana Laura
Fabi, de 16 anos) que se matou no dia 20 de novembro de 2013 após o vazamento
na internet de uma foto sua em que mostrava os seios?
A
princípio, por se tratar de um suicídio e não de um assassinato, essa pergunta pode
parecer estranha. Logo de cara, a principal responsável pela sua morte é a
própria adolescente, pois esta se
matou – ela não foi morta por ninguém.
Bem,
mas ela se matou por um motivo: o vazamento de uma foto íntima sua na internet.
Temos então um segundo culpado: a pessoa a quem ela confiou a imagem ou para
quem ela se mostrou, ou seja, o seu namorado – o primeiro a compartilhar a
foto.
Mas
podemos pensar também que, provavelmente, esse namorado deve ter compartilhado
a foto com seus amigos mais próximos, sem medir consequências, e não imaginava
que a foto seria compartilhada em massa pelas redes (como o WhatsApp) – isso o livraria de tamanha
culpa. Claro que, se a foto fosse compartilhada com um grupo restrito de
pessoas, como entre os amigos do namorado de Giana, provavelmente ela ficaria
extremamente chateada, mas chegaria a se matar por isso.
Precisamos,
então, de mais para dividirem a culpa: as pessoas que divulgaram a foto para
além deste grupo restrito: provavelmente algum amigo que enviou para algum
outro grupo.
Daí,
como tudo nas redes sociais, de compartilhamento em compartilhamento, tudo saiu
do controle e, qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo poderia ter acesso
àquela foto tirada, inocentemente, por uma adolescente em seu quarto e enviada
para seu namorado.
Surgem
daí também, julgamentos, xingamentos, agressividades, inconsequências – o
conhecido cyberbulling, típico das redes sociais. Milhares de
pessoas com o pensamento de que “se foi burra o bastante para confiar no
namorado, ela merece”, de que “quem faz isso não presta”, “de que o mundo está
mesmo perdido”, de que a culpa é de quem tira a foto, etc.
Ora,
o que alguém faz ou deixa de fazer em sua intimidade, seus gostos, modo de
vida, preferências, não dizem respeito a mais ninguém. Seja burrice ou não
confiar em alguém e lhe enviar uma foto ou vídeo íntimo, isso não é motivo de
uma pessoa ser “caçada”, julgada, ofendida por milhares de pessoas, exposta
como se tivesse cometido um crime.
Outras
pessoas, talvez, não a julguem, mas apenas queiram ver o conteúdo e
compartilhar com amigos.
Mas
a verdade é que, não interessa o motivo
pelo qual alguém dê ibope para esse tipo de conteúdo “caiu na net”, são todos
culpados pelo suicídio de Giane.
Os
motivos para isso são vários. Vejamos alguns:
a)
sites e blogs com conteúdos assim ganham dinheiro por quantidade de cliques ou
de acessos.
b) Cada
compartilhamento de conteúdo por WhatsApp pode ser responsável por uma
quantidade impossível de ser prevista por quem compartilha, como em um efeito
cascata. A própria Giane, que compartilhou com uma pessoa que ela confiava,
poderia prever o problema que se metia?
c) Giane
não teria se matado se milhares de pessoas não tivessem compartilhado.
Claro
que a culpa de alguém que tenha clicado na foto ou enviado para um amigo não é
tão grande quanto à de seu namorado, mas não pode ser ignorada: a
responsabilidade é de todos.
Da
mesma forma que Giane, houve o caso de Julia Rebeca, estudante piauiense de 17
anos, que, 4 dias antes, havia se matado por motivo semelhante (um vídeo vazado
pela internet em que fazia sexo com um adolescente e uma outra jovem).
Alguns
casos parecidos (a grande maioria, felizmente) não terminaram em morte, mas
levaram à destruição da vida da pessoa, como aconteceu em outubro de 2013 com
Fran, a garota de Goiânia que também teve um vídeo íntimo vazado na internet.
Este caso tem as mesmas características dos anteriores, mas traz algo ainda
mais interessante: muitas pessoas, percebendo a tragicidade do acontecimento
criaram uma rede de solidariedade em apoio a Fran – o #ForçaFran.
Mas
essa rede gerou um movimento contrário de muitas pessoas que, mesmo sem terem
visto o vídeo, faziam brincadeiras com o caso em suas fotos pelas redes
sociais, completamente insensíveis ao sofrimento que isso causaria acreditando,
ou se tratar de meramente uma brincadeira inocente ou que a Fran, como no caso
de todas as outras garotas que tiveram ou têm vídeos ou fotos divulgadas,
mereceria isso, pois ela própria era culpada disso.
Mas
não era. Da mesma forma que no suicídio de Giane e Júlia Rebeca, mais uma vez
essas pessoas foram responsáveis por destruir a vida de uma pessoa que, como
milhares de outras pessoas, acreditavam que estavam seguras fazendo fotos ou
vídeos de sua vida íntima.
Não
são essas mesmas pessoas aquelas que estragam anos de algumas pessoas com um bulling excessivo, que pode gerar
infelicidade, transtornos para o resto da vida, o suicídio e até mesmo servir como estopim em casos como os jovens atiradores norte-americanos que entram nas
escolas para matar seus colegas? Aparentemente, em nome da diversão, da
curiosidade (não podemos dizer “maldade”, porque possivelmente essas pessoas
não acreditam que são más), do julgamento impensado, da inconsequência, pessoas
não parecem se importar muito em acabar com a vida de outras pessoas.