segunda-feira, 7 de maio de 2012

O "Transfira UFOP" e a (des)mobilização dos estudantes

Em uma época de forte adesão popular aos discursos sobre ser politicamente correto, na qual toda e qualquer coisa deve provar sua utilidade por meio da associação com o que é socialmente bom e bonito, uma época em que toda pessoa pode participar de tudo o que é “revolucionário” desde que ligada às redes sociais, mediante um clique com o mouse, mudar o mundo parece fácil demais. Um elemento importante para isso estaria dado: o interesse popular pela justiça social.
            Se as revoluções de nossa história mais recente mostram que a participação popular determina ou não seu sucesso – a russa fracassou por ter sido imposta pela “elite das massas”, sem o apoio popular para se manter; as primaveras árabes e as ocuppy têm tido sucesso justamente por surgir do povo –, a adesão de grande número de pessoas a qualquer movimento que pareça justo, pode ser enganosa.
              As já rotineiras marchas iniciadas por meio das redes como o facebook – pelo menos as brasileiras – demonstram que a mobilização popular no mundo real é muito menor que o número de participantes do evento criado na web. O seu poder é grande, mas muito menor do que poderia ser caso houvesse de fato a participação de todos os que diziam participar.
            Aparentemente, tem ocorrido algo semelhante com o Movimento Transfira UFOP.  Esse movimento, iniciado por conta de alguns alunos da Universidade Federal de Ouro Preto, tem como premissas que a transferência dos títulos de eleitor por parte dos alunos da UFOP para a cidade de Ouro Preto, não só dará mais poder de reivindicação ao poder publico por parte dos alunos, como conscientiza os estudantes “sobre a importância da participação política na comunidade onde ele vive” (retirado da carta-proposta do movimento).
            É obvio e qualquer pessoa (notadamente estudantes) concorda que é importante ter voz ativa com o poder público e que seria muito bom que todos fossem “cidadãos conscientes” e participativos na vida política de suas comunidades, ainda mais em uma Universidade na qual a alienação da vida pública parece atingir níveis mais altos que em outros meios universitários. Desta forma, poderíamos concordar com o movimento sem maiores problemas. Tampouco aqui, não é sua legitimidade ou importância que queremos colocar em causa. 
Quanto a primeira premissa, não há muito o que se dizer; talvez somente questionar se de fato os estudantes irão utilizar esse “poder” conquistado ou se acreditarão que, elegendo alguém para os representar, já terão cumprido seu papel de “cidadão”. Não pretendemos ser alarmistas quanto a isso e nem prever o futuro, mas a experiência do que comumente ocorre é o suficiente para nos deixar “duvidosos”.
            Da mesma forma, a segunda não levanta menos dúvidas que só poderão ser respondidas no futuro. Porém, neste caso, já há indicativos maiores de que os estudantes não irão participar da política da comunidade ouropretana. Dizemos isso com base na (des)mobilização intensa em torno de uma possível greve por parte de professores e servidores técnico-administrativos da Universidade, associada a um movimento, por parte dos estudantes, de volta para casa durante a greve.
            Já que os estudantes depois de transferirem seus títulos de eleitos passam a participar da vida política, não seria o caso dos universitários se mobilizarem, a favor ou contra, em torno da causa da greve? Mas pelo contrário, já transparece nos diálogos pelos corredores da UFOP e nas repúblicas que os estudantes precisarão voltar para suas cidades. Ora, mas a idéia não é a de que agora são cidadãos ouropretanos? Quando, senão em uma greve, é o momento para os estudantes iniciarem sua participação política? O único momento “político” da vida universitária são as eleições municipais?
            Como dissemos, não se pretende aqui vaticinar o insucesso do Transfira UFOP, mas uma coisa é óbvia: se, de fato, as coisas ocorrerem como se preparam para ocorrer em torno da greve prevista para o dia 17 de maio, o movimento de transferência do título de eleitor parece tender à semelhança com o mero clicar em “curtir”, “compartilhar” e principalmente com o “participar”, embora um pouco mais trabalhoso.        

(Ouro Preto, 7 de maio de 2012)     

15 comentários:

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  2. Boa Reflexão... Creio que atravessamos o momento de uma ampla reflexão, onde a participaçao política do "corpus" UFOP - e aqui incluindo também os professores de Ouro Preto, Mariana e Monlevade - se faz urgente... Urgente não no sentido de um movimento arquitetado com a intenção de eleger um representate do corpo instituicional da Universidade para o corpo institucional da Câmara, ou até mesmo da Prefeitura. Mas urgente no sentdo da ação cidadã, democrática e eletiva. Uma ação que transcenda nomes e épocas. Uma ação que exista num processo de apropriação e reconhecimento do onde se vive, do com quem se vive... Não podemos trabalhar na construção de muros que atestem um outro mundo dentro dentro de princípios e preceitos "ufopianos". Os preceitos e princípios não deveriam ser universais? Os outros é que estão do lado de fora? Ou estariam eles do lado de dentro? A necessidade da ação política é mais que partidária. É social, é cultural, é cidadã no sentido etmológico da "pólis" que busca o político. Que busca mais que o adjetivo, que por vezes soa subjetivo. Que busca o substantivo: POLÍTICA. E aí, se é por meio de "tapumes virtuais" onde se colore a participação coletiva, ou se é através de movimentos presenciais em momentos em que pouco, ou muito, nos expomos, valeu. Vale, Tudo valerá. Mas acredito que o momento é o de buscarmos uma NOVA POLÌTICA no sentido visceral da AÇÃO!!!!

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  3. Anônimo17:44

    Caro amigo Marcatto,
    atonta um ponto muito importante que no meu ponto de vista afeta não só nossa Universidade mas boa parte da sociedade moderna. Alguns indivíduos acham que realmente o processo de mudança pode haver somente no mundo virtual, esquecem eles que diferente das mídias interativas a realidade não condiz com a mobilização eletrônica. Não sou o melhor exemplo de cidadão(refletindo sobre minhas ações), mas vejo que boa parte das pessoas sentem-se fatisfeitas somente com seus devassados posts em redes sociais e acham que isso gera consciência nas pessoas. Porém como em outras conversas que já tive com você, por mais que alguns achem que o movimento seja um fracasso vejo com um processo de transformação da consciência. Avaliando a dimensão de nossa Universidade e os envolvidos, acho que tivemos sucesso sim, pense no cenário que temos aqui em Ouro Preto, o engajamento do corpo dicente, a dificuldade e desilusão deles que veem vários movimentos infrutíferos. Movimentos igual ao "Transfira UFOP" levam tempo e precisam ser melhor organizados, mas faço uma pergunta não é hora daqueles que fazem esse movimento de chamarem os estudantes que vão para suas casas para um debate (talvez antes da greve ou quem sabe durante ela) sobre uma melhoria em Ouro Preto?

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    1. Chamar os estudantes para um debate sobre melhorias em Ouro Preto... Ótima sugestão!!! Mas ai vem a principal pergunta. O Diretorio Central dos Estudantes da UFOP, que deveria ajudar a promover esses debates para colocar alguma consciência polita na cabeça do estudantes (lembrando que simplesmente eleger um representante dos estudantes como vereador não é e nunca será nada que passe nem perto de consciência politica) existe para algo além de organizar "rocks"?

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    2. Bem, no momento nem temos um DCE, mas somente uma Comissão de C.As, da qual não sei exatamente o nome "técnico".

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  4. a ação política deveria ser cotidiana, porém, o que a nossa sociedade entende por política não permite que as pessoas se vejam como cidadãos políticos atuantes.

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    1. Anônimo18:25

      Concordo plenamente Nadja, as pessoas confundem "politícos atuantes" com "politícos de carreira".

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  5. Bom texto, Emito!
    Algumas observações...
    A consciência política e, principalmente, a atuação política levam tempo. O brasileiro de modo geral, e não estou fora disso, não possui uma cultura política e uma vida política participativa. O ideal brasileiro, os valores, a cultura, os gostos, as crenças passam longe da política. O futebol que o diga! A educação brasileira não converge para sermos um ser político. A política é atacada todos os dias pela imprenssa. Fazer e ser político não é "legal". Enquanto a imagem da política ficar restrita aos noticiários dificilmente ela sairá das redes sociais...
    Porém, as redes sociais já não seriam um começo? Se consideramos o contexto histórico-temporal, as redes sociais já causam muitas transformações. Quiça já não começamos e não sabemos...

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    1. Anônimo19:34

      *imprensa
      Juro que um dia aprendo a escrever... rs
      * E a última frase seria: "Quiça já começamos e não sabemos..."
      ;P
      PC

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    2. Gostei muito de sua fala, PC!
      E sim, vejo as redes sociais como um belo começo! Como eu disse, a onda do "politicamente correto" (que também gera consequências ruins), especialmente divulgada na rede, dá um elemento importante e extremamente necessário para as transformações, qual seja, o de que não é mais preciso convencer o "povo" de que pensar "socialmente" é algo legal. Sendo um início para ir no caminho inverso disso tudo que você relatou.

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  6. Anônimo14:49

    discordo na parte "[...] já transparece nos diálogos pelos corredores da UFOP e nas repúblicas que os estudantes precisarão voltar para suas cidades. Ora, mas a idéia não é a de que agora são cidadãos ouropretanos?".
    sim, nós entudantes somos sim cidadãos ouropretanos, mas nao quer dizer q devemos passar os 365 dias do ano na cidade. segundo essa lógica quer dizer que quem tira ferias no começo do ano e passa um mês fora deixa de ser cidadão ouropretano nesse periodo.
    muitos estudantes são de cidades muito longe de Ouro Preto (acima de 500 Km) e aproveitamos esses periodos sem aulas para visitar nossos pais e outros parentes principalmente!!
    nao deixamos de ser ouropretanos nesse periodo!

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    1. Oi, Anonimo. Obrigado pelo comentário.
      Servirá para eu esclarecer o meu ponto de vista e evitar equívocos.
      Não quero de maneira alguma dizer que os estudantes "cidadãos" ouropretanos não possam voltar para suas cidades de origem. Bem como os ouropretanos nascidos aqui e que deixarem a cidade, não deixaram de serem ouropretanos.
      Se eu pensasse assim, você teria razão em dizer o que disse.

      O meu questionamento é se deixar de atuar durante a greve é atitude de alguém que acaba de se tornar "cidadão", como postula o movimento. Não seria essa a hora em que os estudantes deveriam demonstrar sua cidadania?

      Eu também passo alguns meses fora de Ouro Preto visitando meus pais e nõ pretendo deixar de fazê-lo.

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  7. Penso que, enquanto cidadão, o estudante que se propõe a participar da política local deve preocupar-se com os problemas e as soluções para a cidadade para a população local. Participar das mobilizações relacionadas à greve é papel de estudante, pois diz respeito diretamente à Universidade. Sei que uma coisa nao exclui a outra, mas afirmar que o papel do estudante enquanto cidadão ouropretano é participar das discussões e mobilizações sobre a greve, pode significar que os que não aderiram ao engajamento político-eleitoral não possuem compromisso com a política universitária ou que aqueles que aderiram ao Transfira UFOP continuem, quando muito, atentos apenas ao que acontece dentro da Universidade.

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  8. Oi, Luciano.
    Claro que, na teoria, uma coisa não exclui a outra. Mas pense que me refiro a uma atitude (ou falta dela). A premissa de defesa do movimento indica que transferir o título é o primeiro passo para os estudantes se tornarem cidadãos conscientes e participativos. Claro que isso se refere à politica relativa à cidade e não a da UFOP. Ora, mas se os estudantes não se preocupam com a politica relativa à UFOP (a que lhes diz respeito primordialmente), pelo simples fato de que transferiram o título, irão a partir disso se preocupar com a politica ouropretana?! Uma falta de atitude quanto a greve, na teoria realmente não impede que os estudantes se preocupem com assuntos relativos à cidade, mas não me parece algo que irá acontecer na prática.
    Mas tomara que eu esteja errado. Não escrevi esse texto torcendo pra que eu tenha razão em um futuro próximo. Muito pelo contrário, escrevi para que as pessoas que estejam transferindo seu título, percebam que é preciso mais deles.
    E também espero que as pessoas não sejam tão inocentes ao ponto de pensarem que não ter título de eleitor em Ouro Preto os exime de participarem da politica ufopiana.

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